Depois
de ler um romance de Natalia Ginzburg (“A cidade e a casa”) ambientado na Roma Velha
(como diz uma das personagens), peguei o livro “Traçando Roma”, de Luis
Fernando Veríssimo e Joaquim da Fonseca para rever a capital italiana.[1]
Crônicas do Veríssimo a respeito da sua estadia na cidade, em 1986, e desenhos
de Joaquim da Fonseca, de quando andou por lá, em 1992.
Diz
o cronista que se conhece de verdade uma cidade, quando se estabelece, nela,
uma rotina. Um projeto que o autor realizou, junto com a esposa e os três
filhos, morando num apartamento em Monteverde Nuovo (próximo ao Trastevere) por
alguns meses. Entre outras coisas, dirigindo pelas ruas da cidade, ambientando-se
com o caos do trânsito romano. Acompanhando a polêmica em torno do
estabelecimento de uma filial do McDonald’s na Piazza di Spagna, o embate com os
restaurantes, o cuidado das autoridades para que não fosse desfigurado o espaço
histórico, assim como o incomodo que o cheiro do fast-food provocava no costureiro
Valentino (com ateliê em cima da loja). A área, por sinal, abriga um conjunto
de lojas muito elegantes (Dior, Gucci e outras), a Via dei Condotti desemboca ali.
Um espaço privilegiadíssimo.
Na
Via dei Condotti se encontra o café mais antigo de Roma, o Caffe Greco (em
funcionamento desde 1760), frequentado por Goethe, Stendhal, Keats, Shelley e
Byron, em tempos idos, e muito requisitado por turistas atualmente.
Especialmente por japoneses, aponta o cronista, uma nacionalidade que continua
viajando até hoje, acompanhada (e talvez em maior número) por outros
orientais: os ricos chineses. Várias vezes passei pelo local, em 2019, e lá
estavam os turistas orientais fazendo fila na porta do café e nem ousei entrar.
Só me animei num fim de tarde, quando não havia quase ninguém. Quando ia
entrar no espaço ocupado com mesas e cadeiras (um salão muito chique), uma amiga me avisou que
eu pagaria caro pelo luxo e me orientou a fazer o lanche no balcão. Bebi um café, comi um croissant, de pé, atendido por educados funcionários, visivelmente cansados (na
certa devido ao horário, o café estava prestes a fechar).
O
autor também aponta o costume da sesta, das 13 às 16 horas, como ainda muito
praticado naqueles anos 80, mas não foi o que vivenciei quase quatro décadas depois.
Com exceção de um quiosque ao lado do hotel (Hotel Regina Margherita, no bairro
Università), onde eu comprava os bilhetes do metrô, não percebi nada que
fechasse depois do almoço. Neste horário minhas aulas já tinham encerrado e eu
pegava o metrô até a estação Coliseu para caminhar pela Roma Velha, onde tudo
funcionava, claro, pois se trata da área turística por excelência.
Roma
é uma cidade com diversas camadas de História – o tempo dos césares, dos papas
medievais, do Renascimento, do Barroco, do Fascismo e dos filmes do Fellini – e
não me canso de revisitá-la, isto é, ler a respeito e rever as centenas de
fotos que tirei nas três semanas que passei por lá.
O
livro traz inúmeros desenhos de Joaquim da Fonseca, indicando um outro olhar
sobre a cidade, diferente daquele que o cronista desenvolve. Na capa, um
exemplo dessas ilustrações, registrando a Ponte Sant’Angelo, que liga Roma ao
Vaticano. Uma ponte com vários anjos (mandados colocar pelo papa Clemente IX, no
século XVII), anjos que trazem os instrumentos da Paixão de Cristo: o chicote
utilizado para espancar Jesus, a coroa de espinhos que foi colocada em sua
cabeça, os cravos que o pregaram na cruz, a lança que transpassou seu corpo, etc.
Diante desses anjos muitos de nós, turistas apressados (nem sempre com um guia
nas mãos), se deslumbram, se maravilham, sem sequer desconfiar que eles indicam
uma cena da tortura – a crucificação –, uma prática comum na Roma dos
césares. A tortura que marcou uma das bases (o Cristianismo) da Civilização
Ocidental.
Um dos anjos da Ponte Sant'Angelo carregando a lança que transpassou Cristo. |
[1]
VERÍSSIMO, Luis Fernando; FONSECA, Joaquim da. Traçando Roma. POA: Artes
& Ofícios, 1993. 160 p.
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