quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Nunca mais falar sobre política

 

Resolvi conversar sobre política com uma motorista de aplicativo e pintou um mal-entendido. Fiquei chateado.

Comecei a conversa perguntando se ela já tinha candidato à Prefeitura de Porto Alegre e ela respondeu que sim. Vai votar no Sebastião Melo. Prefere o partido Novo, mas acha que o candidato não tem chance e não vai desperdiçar o voto. Revelou-se uma antipetista visceral, “não podemos deixar essa gente ganhar”, e acrescentou que jamais votaria na Maria do Rosário, “defensora de bandidos”.

“Uma candidata à Prefeitura tem é que cuidar das pessoas de bem”, explicou. E a partir daí desfiou um rol de acusações ao PT, colocando-o como um partido de corruptos que desviam o dinheiro que poderia ir para a Educação, Saúde e Segurança.

Era uma moça simples, provavelmente cumpridora de longas jornadas de trabalho, repetindo os lugares comuns da conversa direitista, do antipetismo raiz, afirmando que os petistas “não defendem a população, o povo, e só querem nos enganar”.

Eu ouvi calado e por fim falei que entendia o PT como um partido como os outros, com um ideário, um programa, e gente de tudo quanto é tipo. “Nem mais nem menos corrupto que os demais partidos”, acentuei, tentando fazer a figura de sujeito moderado e boa praça, compreensivo. E perguntei qual o partido que ela considerava menos corrupto. “O PL”, ela respondeu. “Por que logo o PL, o partido do Valdemar da Costa Neto?”, rebati, procurando uma forma de dizer quem era esse espertalhão, dono de um partido de aluguel, capaz de qualquer coisa para ganhar dinheiro. Ela pareceu não saber quem era Valdemar da Costa Neto e eu me senti incapaz de dizer qualquer coisa, perplexo e paralisado por mais um “pobre de direita”.

A moça chegou ao meu endereço, eu desci, e, justo quando estava com os dois pés na calçada e fechava a porta do carro, desabafei: “Bá, mas o PL é foda, que coisa!” Segui em direção ao meu edifício, rindo, virei para trás e vi que ela estava parada, me olhando e voltei para falar com ela.

Voltei e perguntei se acontecera alguma coisa. Ela pediu para eu repetir o que dissera e menti que apenas falara que “o PL é terrível”. “Um partido horroroso, do meu ponto de vista, não quis te ofender, longe de mim, cada um pensa como quer, eu sou um sujeito que defende isso”, acrescentei.

Acho que ela pensou que eu a mandara se foder... e fiquei chateado com a sua desconfiança. “Longe de mim a intenção de te ofender, não pensa nisso”, insisti. E retomei o caminho do meu prédio, enfiei a chave na porta de entrada do edifício, lembrando dos meus alunos em Alvorada e Canoas, na virada dos anos 70 para os 80, gurizada humilde que repetia a conversa conservadora da época... Gente pobre e de direita, que coisa horrível, com os quais (pretensiosamente) eu pretendia desenvolver “um pensamento crítico em relação a sociedade em que vivemos”. Que arrogância!

Que merda!, digo agora. Nunca mais falar sobre política com quem não conheço. Nunca mais. Muito menos com motoristas de aplicativo, trabalhadores submetidos a condições de trabalho terríveis... e muitas vezes defensores do que muitos de nós chamamos de “novo e precário mundo do trabalho”. Defensores convictos, apoiadores de coração.

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