quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Manet no Rio de Janeiro

 

Este é um blog de crônicas, feito de coisas que me passam pela cabeça: memórias, vivências, leituras, filmes, viagens. Às vezes alguma ficção. Tentativa de tornar claro aquilo que vivo e sinto.

Hoje comento um livro que me agradou muito: “Manet no Rio”, composto por cartas que Edouard Manet (1832-1883) escreveu aos seus familiares (especialmente sua mãe) quando viajava ao Brasil.[1] A correspondência do jovem Manet, mais comentários críticos a respeito delas, alguma coisa sobre a trajetória do pintor, e a reprodução de alguns dos seus quadros. Uma beleza de edição.

Em dezembro de 1848, Manet tem dezessete anos, é um aspirante à Marinha, e embarca num navio-escola no porto de Havre em direção ao Rio de Janeiro. Nem pensa em se tornar pintor, quer ser um “lobo do mar”. Mas desenhar já faz parte das suas habilidades e realiza caricaturas da tripulação assim como dá aulas de desenhos para os alunos a bordo.

A viagem vai de meados de dezembro de 1848 a março do ano seguinte. Muito tempo no mar, quase dois meses na Baía da Guanabara e passeios pela cidade do Rio. O registro sóbrio do cotidiano a bordo (inclusive dos safanões que leva do superior, dos pontapés que tem direito a dar nos serviçais) assim como observações a respeito da população da capital do Império brasileiro.

Manet se espanta diante da quantidade de negros nas ruas. “Todos eles escravos”, acentua. E comenta a proibição dos cativos usarem calçados e o costume de muitas negras andarem com o peito nu. As mulheres brancas pouco aparecem nas ruas e os homens são vistos como indolentes. Uma visão nada lisonjeira da população que vive no Brasil, tanto dos cativos quanto dos homens e mulheres livres.

Em relação ao palácio imperial na área urbana (não em relação ao palácio em São Cristóvão, que não visita), o entendimento de que se trata de “uma verdadeira biboca, uma coisa mesquinha”. A admiração maior é endereçada à natureza.

Numa carta a sua mãe, escreve: “Todas as quintas-feiras saímos [do navio ancorado na baía] (...) e fazemos excursões pelo campo, tomamos banho, almoçamos e jantamos ali mesmo (...). Os passeios são encantadores, assistimos ao espetáculo da natureza mais bela do mundo, dispomos de tantas frutas quanto quisermos (...).”

A autora do prefácio aponta que há estudos que indicam que a descoberta da luz tropical assim como da natureza brasileira foram importantes para o seu trabalho artístico. Mas o autor do posfácio diz que não: “um erro pensar que a sua passagem pelo Rio teve um impacto profundo em sua arte”. Foi depois, viajando pela Espanha e Itália que o pintor se deu conta da importância da luz.

Resta apontar, no entanto, que Manet era um parisiense e tudo indica que ao menos a natureza, vista como “a mais bela do mundo”, o tocou profundamente. E isto ele registra e compartilha com a mãe.

Aliás, é este carinho de Manet em relação a sua mãe que me chamou atenção e me encantou. A afeição de um jovem que fala para a sua mãe que não teve coragem de assistir a sua partida no porto de Havre. Uma mãe a quem ele se dirige com muita atenção, referindo a si próprio como “seu filho respeitoso”. Uma mãe com quem ele compartilha a sua vivência no mar e nos trópicos.

Um conjunto de cartas que desenham um jovem que almeja seguir a profissão de marinheiro, sem nenhuma preocupação (ainda) em relação ao mundo das artes. Um jovem abastado, bastante ligado à família, procurando criar o seu destino.

O que será que o levou à pintura? O que faz um jovem dar uma guinada na sua vida, deixar uma carreira comercial e enveredar pelo campo artístico?

O livro instiga em relação a isso. Dá vontade de compreender a trajetória de um artista brilhante.

"Almoço na relva" (Museu d'Orsay, 2019).

Quando tive a oportunidade de ver ao vivo “Almoço na relva”, no Museu d’Orsay, estava zonzo. Tirei a foto acima para registrar. Naquele dia, passeando pelo museu, eu já vira tantas obras impactantes, belíssimas, que não tinha mais condições de apreciar coisa alguma.



[1] MANET, Edouard. Manet no Rio. Tradução Régis Mikail, prefácio Alecsandra Matias, posfácio Felipe Martinez. São Paulo: Ercolano, 2023. 96 p.

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