terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Roma - crônicas de uma aventura urbana


Mais um livro de viagem do jornalista Airton Ortiz, da coleção “Aventuras pelo mundo”:  Roma (Editora Benvirá, 2018, 166 p.). O autor passou uma temporada na Cidade Eterna, provavelmente no inverno de 2017-18, alugou um apartamento no bairro de San Giovanni junto com a irmã (conforme informações do próprio escritor numa das crônicas do livro) e narra com muito humor mais uma de suas aventuras urbanas. Com humor e muitas informações históricas, artísticas e religiosas – sem descuidar da gastronomia e especial dos vinhos. 



Não foi a primeira visita que o autor fez a Roma (foram várias, segundo indica) e esse acúmulo de experiências, vivências e leituras se traduzem em crônicas leves, agradáveis, feitas por visitante que percorre a cidade com enorme satisfação e redobrado interesse.

Texto de leitura rápida, como o próprio escritor aponta, satisfazendo assim tanto a pressa do leitor contemporâneo quanto a ansiedade que um livro sobre uma cidade de tantas possibilidades cria. Afinal, Roma é uma cidade que contém diversas camadas de história, variados estilos artísticos, variadas manifestações religiosas, que atravessar as suas ruas – a famosa Via dei Fiori Imperiali, por exemplo – é deparar-se tanto com as marcas do Império Romano, da Igreja Católica, quanto das lutas pela Unificação e o período fascista.

Essa enorme quantidade de registros de diferentes tipos dá uma certa aflição na maioria dos visitantes da cidade – e foi isso que revivi lendo o livro. Haja imaginação para dar conta do desafio de conhecer essa cidade, afirma o autor, e suas crônicas me parecer ser um auxílio nesse sentido. Um livro que propõe um exercício de imaginação, que estabelece uma série de roteiros sobre a Cidade Eterna, visando estabelecer significado para as tantas ruínas romanas que se encontra (marcas de uma civilização soterrada – tão distante de nós, cristãos ocidentais, quanto a japonesa), mais prédios renascentistas, estátuas barrocas, fontes idem, códigos e signos variados.

Respeitando essa diversidade, Ortiz divide o livro em três partes: a Roma dos romanos (do antigo Império Romano), a Roma dos italianos (do Renascimento e do Barroco, especialmente) e a Roma dos papas (do poderio da Igreja Católica). A respeito de cada um desses territórios estabelece diversos roteiros, indicando ao leitor possíveis caminhos, possíveis encantamentos com a paisagem urbana, com o interior das igrejas, dos museus, e – quando isso cansar (e cansa mesmo) – qual cafeteria, qual restaurante, prato ou vinho podem restabelecer as energias ou, simplesmente, proporcionar saborosas atividades profanas.

Arte & religião são a tônica desse conjunto de crônicas e o sublime é sempre uma possibilidade. Ao final da leitura, tenho a impressão de que o leitor tanto fica instigado a ver, apreciar (ou rever, em alguns casos) as maravilhas romanas – como prédios, igrejas, museus – como de beber os tantos Chiante a que o autor se refere.

No meu caso, ver / rever a estátua “O êxtase de Santa Teresa”, de Bernini (na igreja de Santa Maria da Vitória), e depois beber um cálice de vinho numa enoteca. Apenas um cálice, quem sabe dois, nessas pequenas enotecas romanas que tem a porta para alguma praça e que os frequentadores bebem na rua, sentados nos degraus de uma fonte, sem nenhum som automotivo estragando a imensidão da noite.


Obs.: com esse livro, Airton Ortiz se junta a outros escritores gaúchos que também escreveram sobre Roma: Luis Fernando Veríssimo (c/ ilustrações de Joaquim da Fonseca), Traçando Roma (Artes & Ofícios, 1993, 160 p.), e Joaquim da Fonseca (c/ ilustrações do autor), Roma Católica (Artes & Ofícios, 2001, 240 p.).

domingo, 6 de janeiro de 2019

Deuses, túmulos e sábios

     
          Livro escrito no final da década de 1940 por um escritor alemão – C. W. Ceram – e publicado em 1949. Desde então, editado no mundo inteiro com enorme sucesso. No Brasil, foi publicado pela Editora Melhoramentos no início dos anos 50 e, pelo menos até 2005, ainda reeditado. Colocado o título no Google, o leitor pode constatar que todos os sebos do Brasil têm um ou mais exemplares.


Conforme explica o autor, o livro inspirou-se em “Caçadores de micróbios” (1927), no qual a evolução da bacteriologia é apresentada com elementos de narrativa policial. Para Ceram, a arqueologia também é passível de tal abordagem e “Deuses, túmulos e sábios” traz um significativo subtítulo: “o romance da arqueologia”. Intencionalmente, então, o autor se propõe a abordar de forma romanceada o modo como as antigas civilizações – sumeriana, egípcia, babilônica, assíria, cretense, grega, romana, e também maia e asteca – surgiram aos olhos do Ocidente Moderno. E faz de arqueólogos-aventureiros – como o alemão Heinrich Schliemann (que descobriu a cidade de Tróia) e o norte-americano Edward Thompson (que descobriu a cidade maia de Chichen-Itzá) – os heróis da sua narrativa. Um livro empolgante que coloca o leitor diante das escavações que trouxeram à tona vestígios da história humana que foram esquecidas ou consideradas apenas lendas durante séculos – as escavações e as posteriores interpretações do material coletado.

          Faço esse comentário lembrando as conversas que tive com Saul Milder, colega no Departamento de História da UFSM. Eu indicava esse livro aos alunos de História Antiga e Saul Milder, professor de arqueologia, me criticava por isso, dizendo que se tratava de uma obra que representava a arqueologia colonialista, dominante na Europa e Estados Unidos desde o século XIX, além de estar superada neste ou naquele aspecto histórico. Mas isso, me parece, não é motivo para deixar de ler o livro – desde que compreendidas as intenções do autor, claramente expostas no prefácio e no último capítulo, e considerando também a época em que foi escrito.

Dividida em quatro partes, a obra abarca as escavações e investigações do mundo greco-romano, Egito, Mesopotâmia e das civilizações pré-colombianas da América Central e México. Como o eixo da narrativa é constituída pelos arqueólogos-aventureiros, os estudos a respeito das antigas civilizações da China, Índia e América do Sul (Incas) são deixados de lado, pois a arqueologia aventureira pouco contribuiu no avanço desses povos, segundo o autor. Se o leitor compreender isso, insisto, um livro fascinante a respeito de como a História se colocou aos olhos do Ocidente Moderno, desde Winckelmann, no século XVIII, com seus estudos de Arte Antiga, feitos a partir das recém descobertas Herculano e Pompéia.

“Os arqueólogos são muito chatos”, eu dizia para o meu colega Saul Milder, “os divulgadores científicos são muito melhores”. Mesmo falando isso, Saul Milder me convidava para as bancas de monografia de seus alunos de Arqueologia (trabalhos na maioria das vezes descritivos, a respeito de sítios arqueológicos indígenas ou outros, datados do período colonial ou das estâncias do século XIX) e eu aprendia muito com a leitura, com a exposição dos alunos e com os comentários do professor. “Ciência é isso aí”, ele afirmava, “um processo de investigação lento e cumulativo”. Mas eu retrucava que os leitores comuns precisam é de um Ceram para se empolgarem com esse conhecimento. Uma conversa onde sempre havia um tanto de provocação e outro de boas gargalhadas.

Assim, se o leitor não for tão rigoroso, tão científico, é empolgante a leitura de “Deuses, túmulos e sábios: o romance da arqueologia”, pois possibilita conhecer – por meio de personagens que encarnam o tipo investigador-aventureiro – como a Europa escavou as cidades de Herculano e Pompéia, criou a egiptologia (a partir da expedição militar de Napoleão ao Egito) e a assiriologia, assim como a maneira como os Estados Unidos trouxeram à tona as relíquias do mundo pré-colombiano. Nessa aventura pela história antiga, Heinrich Schliemann (1822-1890) talvez seja a figura exemplar. Jovem, se encantou com a poesia de Homero e acreditou que a Guerra de Tróia fosse uma verdade histórica, quando todos os cientistas de sua época afirmavam não passar de uma lenda. Homem adulto, se fez comerciante de êxito e depois empenhou sua fortuna para realizar o sonho juvenil: descobrir Tróia. Escavou no local indicado por Homero e talvez tenha descoberto a cidade destruída pelos aqueus – assunto que até hoje os historiadores discutem. Mas, seja qual for o resultado da discussão, a história grega nunca mais foi a mesma depois que Schliemann seguiu a senda de lendas, poemas e de seu sonho juvenil.

Obs.: A edição que eu li é a da Melhoramentos, 1964, e não traz nenhuma informação sobre o autor. Mas feita uma pesquisa no Google, encontrei o seguinte: C.W. Ceram era o pseudônimo de Kurt Wilhelm Market (Berlim, 1915 - Hamburgo, 1972). O autor fora importante propagandista do Nazismo e, depois da guerra, quis esconder o seu passado.