Há pessoas para quem a vida não basta e precisam
inventar alguma coisa que a melhore ou a torne mais suportável. Outras, de
perfil mais realista, se contentam com a vida como ela é e a aceitam, sem
grande inquietação. Um poeta é o típico integrante do primeiro grupo, envolto em
um mundo de sonhos e imaginação, enquanto o engenheiro é a figura exemplar do
segundo, expressão da mentalidade prática, lidando apenas com aquilo que pode
ser pesado, medido e calculado.
Lembrei dessas considerações a respeito das
mentalidades dominantes ao ter a infelicidade de conversar com um homem prático.
Ou, pelo menos, com um homem cuja recente namorada me garantiu que ele era
assim.
– Um típico engenheiro – ela me disse – lidando apenas
com os aspectos práticos da vida e com muito êxito, por sinal.
Ela o conheceu recentemente, nos apresentou num bar
da cidade e a conversa foi rápida. Eu mais ouvi do que falei. Minha amiga nos
deixou para tratar de alguma coisa e de repente o homem estava falando de política,
indignado com a operação da Polícia Federal a respeito do golpe de Estado urdido
por Bolsonaro e me explicando a inconsistência das acusações.
– Uma farsa, uma perseguição política – acentuou. –
Ora um golpe sem tropas e tanques nas ruas – chegou a dizer, ignorando as
peculiaridades da estratégia neofascista em curso no país.
Minha amiga já me dissera que cansou de homens
sonhadores e queria alguém pragmático. Foi dessa maneira que me falou dele e me
espantei quando o sujeito enveredou para as criações mirabolantes dos bolsonaristas
a respeito do 8 de janeiro de 2023, endossando o entendimento de que o
quebra-quebra foi uma armadilha da esquerda.
– Os petistas já estavam dentro dos prédios do
Congresso, do Palácio Presidencial e do Supremo Tribunal Federal, quando os
manifestantes chegaram pacificamente – ele disse, acrescentando que iria me
enviar os vídeos, se eu quisesse.
Não, eu não quis. Minha amiga voltou nessa hora e felizmente
mudou o rumo da prosa. Certamente não era essa a conversa que ela desejava que eu
ouvisse. O pragmático engenheiro que ela me propagandeara estava, naquele
momento, enveredando para o campo das fantasias delirantes e não era essa a faceta
do homem que ela admirava.
Fiquei calado. Este engenheiro pode ser muito
prático para tomar as decisões quanto a sua empresa e colocá-la no mercado,
mas, quanto ao resto, é só sonho e fantasia. Mais um adepto da utopia
bolsonarista, que se imagina lutando contra o “comunismo petista” e pela
afirmação da democracia e da liberdade. Provavelmente um engenheiro bem
sucedido, mas incapaz de realismo político.
A extrema-direita
bolsonarista (que não acho mais exagero chamar de neofascista) está num brete e
esperneia. Não assume o seu projeto autoritário e muito menos o quebra-quebra em
Brasília como tática para um golpe que não conseguiu concretizar. A ideia dos
petistas enquanto força maligna, dentro dos prédios antes da chegada dos
manifestantes do 8 de janeiro, aguardando a massa bolsonarista para imputar-lhe
um vandalismo que ela não desejava fazer, é de uma criatividade impressionante.
Haja delírio e teoria da conspiração!
Carreata bolsonarista em Santa Maria, em abril de 2021. |
Não sei como me despedi do casal, mas, quando dei por mim, estava com a mão sobre o ombro da minha amiga, penalizado com o que ela precisa suportar. E, sem perceber minha hipocrisia, sai desejando felicidade aos dois.