quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Memórias da pandemia

 

Sou desses que às vezes se espantam com o que vivemos no período da pandemia. Fiz alguns registros a respeito daquele tempo e, ao reler o que anotei em 18 de junho de 2020, achei que valia a pena reproduzir aqui.

Naquela tarde, fui ao médico e conversei rapidamente com o porteiro do prédio. Nós dois de máscaras e distantes um do outro mais ou menos dois metros. Ele revelou a sua contrariedade com as medidas restritivas impostas pelo Governo Eduardo Leite e entendi que não achava necessário restringir a circulação de pessoas para impedir a disseminação do vírus. Naquele tempo ele ainda era um entusiástico do Governo Bolsonaro (posição que mudaria, a partir do adoecimento e morte de familiares pela covid) e navegava nas águas do negacionismo.

Além disso, tive a impressão de que ele estava incomodado com os que podiam se dar ao luxo de fazer o propalado isolamento social, enquanto ele não podia, pois precisava estar ali, na portaria do prédio. Trabalho remoto não era coisa para ele, assim como não era para a maioria da classe trabalhadora.

Naquele mesmo dia a polícia prendera o Queiroz (assessor do senador Flávio Bolsonaro) e eu entendia que era um cerco ao clã Bolsonaro. Ao menos, era o que escutava de alguns comentaristas políticos, que divagavam a respeito de um possível desmoronamento do castelo bolsonarista. Doce ilusão!

Escrevi que estávamos assistindo a um “governo incompetente na gestão de uma das crises de saúde mais graves que o País já vivera”, mas “a coisa estava mudando”. Até a Rede Globo migrara para a oposição, só resguardando o Ministro da Fazenda.

Que tempos! Eu era daqueles que achavam que o Governo Bolsonaro não sobreviveria até o fim do mandato e fui vencido pelos fatos. Bolsonaro se manteve firme e forte e até ensaiou uma insurreição no ano seguinte, em 7 de setembro de 2021. O primeiro ensaio do seu almejado golpe.

Naquele dia, porém, o que me preocupava eram as medidas para administrar a propagação do vírus e como conviver com tudo isso. Como conviver com a pandemia!

Saí do médico (com o qual mantive a devida distância) e fui a lotérica pela primeira vez. Encarei a fila mantendo a devida distância dos outros clientes (todos nós com máscaras no rosto) e exercitei o que se chamava “a nova normalidade”.

Eu frequentava o supermercado no horário dedicado aos idosos (início da manhã) e seguia todos os protocolos. Um amigo me trazia livros de vez em quando, tocava no porteiro eletrônico, eu descia, e conversávamos na porta do prédio, de máscaras e com o devido distanciamento. Era uma prática que esse amigo fazia questão de manter: a troca habitual de livros.

Alguns achavam que os objetos (livros, entre eles) podiam transmitir a covid, mas nós não embarcávamos nessa. Entendíamos que o vírus não sobrevivia na capa ou nas páginas de um livro e seguíamos em frente. Livros para enfrentar o isolamento social, dizíamos, eis o nosso lema.

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