Sou desses que às vezes se espantam com o que
vivemos no período da pandemia. Fiz alguns registros a respeito daquele tempo e,
ao reler o que anotei em 18 de junho de 2020, achei que valia a pena reproduzir
aqui.
Naquela tarde, fui ao médico e conversei
rapidamente com o porteiro do prédio. Nós dois de máscaras e distantes um do
outro mais ou menos dois metros. Ele revelou a sua contrariedade com as medidas
restritivas impostas pelo Governo Eduardo Leite e entendi que não achava
necessário restringir a circulação de pessoas para impedir a disseminação do
vírus. Naquele tempo ele ainda era um entusiástico do Governo Bolsonaro
(posição que mudaria, a partir do adoecimento e morte de familiares pela covid)
e navegava nas águas do negacionismo.
Além disso, tive a impressão de que ele estava
incomodado com os que podiam se dar ao luxo de fazer o propalado isolamento
social, enquanto ele não podia, pois precisava estar ali, na portaria do prédio.
Trabalho remoto não era coisa para ele, assim como não era para a maioria da
classe trabalhadora.
Naquele mesmo dia a polícia prendera o Queiroz
(assessor do senador Flávio Bolsonaro) e eu entendia que era um cerco ao clã
Bolsonaro. Ao menos, era o que escutava de alguns comentaristas políticos, que divagavam
a respeito de um possível desmoronamento do castelo bolsonarista. Doce ilusão!
Escrevi que estávamos assistindo a um “governo incompetente
na gestão de uma das crises de saúde mais graves que o País já vivera”, mas “a
coisa estava mudando”. Até a Rede Globo migrara para a oposição, só
resguardando o Ministro da Fazenda.
Que tempos! Eu era daqueles que achavam que o
Governo Bolsonaro não sobreviveria até o fim do mandato e fui vencido pelos
fatos. Bolsonaro se manteve firme e forte e até ensaiou uma insurreição no ano
seguinte, em 7 de setembro de 2021. O primeiro ensaio do seu almejado golpe.
Naquele dia, porém, o que me preocupava eram as
medidas para administrar a propagação do vírus e como conviver com tudo isso. Como
conviver com a pandemia!
Saí do médico (com o qual mantive a devida
distância) e fui a lotérica pela primeira vez. Encarei a fila mantendo a devida
distância dos outros clientes (todos nós com máscaras no rosto) e exercitei o
que se chamava “a nova normalidade”.
Eu frequentava o supermercado no horário dedicado
aos idosos (início da manhã) e seguia todos os protocolos. Um amigo me trazia
livros de vez em quando, tocava no porteiro eletrônico, eu descia, e
conversávamos na porta do prédio, de máscaras e com o devido distanciamento. Era uma
prática que esse amigo fazia questão de manter: a troca habitual de livros.
Alguns achavam que os objetos (livros, entre eles)
podiam transmitir a covid, mas nós não embarcávamos nessa. Entendíamos que o
vírus não sobrevivia na capa ou nas páginas de um livro e seguíamos em frente.
Livros para enfrentar o isolamento social, dizíamos, eis o nosso lema.
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