quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Oftpred - colírio

           Oftpred é o colírio que me acompanha nos últimos tempos. Um colírio para uso específico: inflamação na íris. Já usei Maxidex, Predfort; agora é este. Tive a primeira inflamação nos olhos em 1977, com 21 anos, e deste então sou um usuário constante desse tipo de medicamento. Afinal tenho essa doença todos os anos, às vezes mais de uma vez – mas felizmente (na maioria das vezes) debelada apenas com colírio.

Já escrevi um poema tematizando as inflamações nos olhos, mas nunca consegui enfocar o colírio, como fez João Cabral Melo Neto com a aspirina. Em 1966, em Educação pela pedra, o poeta publicou “Num monumento a aspirina” e comparou o remédio com “o mais prático dos sóis”, “sol imune às leis da meteorologia”, pois “a toda hora em que se necessita dele, levanta e vem (...) para secar a aniagem da alma.”

Na segunda estrofe do poema, o poeta faz uma analogia da aspirina com a lente, mas com a peculiaridade de ser “de uso interno”, de funcionar “por detrás da retina” e ser capaz de reenfocar “para o corpo inteiro (...) o borroso de ao redor.”

Sempre gostei desse sol cabralino que lava a dureza da alma e dissolve o borroso ao redor. Utilizando as mesmas imagens para o colírio, diria que suas águas de cor leitosa, que podemos dispor a qualquer hora, afogam a dor e desanuviam a visão. A dor e visão nublada que irrompem nos olhos inflamados. desenhando uma coroa vermelha em torno da íris. Pequeno tormento da minha vida inteira a apontar as fragilidades do corpo.

Mas sofrimento capaz de ser contornado e combatido. Quando tive a primeira vez, o oculista (Rivadávia Corrêa Meyer) chegou a pensar que eu ficaria com a visão prejudicada. Recordo que fui atendido de emergência (por insistência da mãe), o médico pingou um colírio para dilatar a pupila, outro para combater a uveíte (outro nome para a inflamação na íris) e me mandou para casa. Voltei horas depois, ele me viu no corredor de espera e veio me examinar. Observou o olho doente, sorriu e disse:

– Reagiu.

Depois, no consultório, me examinando com uma daquelas máquinas de ver o fundo do olho, contou a sua preocupação, isto é, que tivera receio da inflamação (que era extremamente forte e demorara para ser medicada) me deixasse com sequelas irreversíveis: uma visão anuviada e a dificuldade de discernir as cores.

           Lembro de que falei do meu interesse em pintura e ele sorriu novamente. Também respirei aliviado, mas nunca fiz um poema para os colírios Maxidex, Predfort, Oftpred (entre outros), fundamentais para combater essa teia conflituosa que tantas vezes apunhala meus olhos e me deixa com a visão turva e borrosa.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Caio Fernando Abreu

 

Acompanhei a repercussão em torno da demolição da casa onde o escritor Caio Fernando Abreu (1948-1996) viveu seus últimos anos, no Bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Há anos havia uma pequena mobilização para que a casa fosse preservada e se transformasse em casa-museu ou centro cultural, mas não vingou. A casa nunca foi inventariada como bem cultural ou patrimônio histórico e, quando o novo proprietário decidiu colocá-la abaixo (como ocorreu semanas atrás), não houve como detê-lo.

Mas é bom que se ressalve que o acervo cultural do escritor está preservado e organizado num centro de estudos literários da PUCRS: o Delfos, espaço de documentação e memória cultural. Mais de 500 itens do autor catalogados, junto com os acervos de outros escritores sul-rio-grandenses como Pedro Geraldo Escosteguy, Lila Ripoll e Vera Karam. (Quando escrevia minha dissertação de mestrado, no início dos anos 90, presenciei o início da catalogação do acervo de Pedro Geraldo Escosteguy.)

Pois acompanhei a mobilização em torno da preservação da casa dos pais do escritor, afinal, aluno do Julinho (Colégio Júlio de Castilhos), os livros do Caio estavam entre os que circulavam na minha turma, junto com os de Fernando Sabino, Gabriel Garcia Marques, Dürrenmartt e Clarice Lispector. Foi um colega de aula quem me passou o Limite branco, que fora publicado naquela época (RJ, Ed. Expressão e Cultura, 1971). O personagem central é um rapaz na Porto Alegre do final dos anos 60, com muitos questionamentos a respeito da vida, que bate pernas pela Ponta do Gasômetro, no local onde havia as ruínas de um presídio recém posto abaixo. Um local decadente que fazia parte do roteiro de caminhada de meus colegas e eu.

 Poucos anos depois, em 1975, conheci o Caio no campus da UFRGS (no Parque da Redenção). Ele tentava retomar o Curso de Letras, tínhamos um amigo comum e conversamos diversas vezes no Bar do Antônio (no campus) e também nos bares da Esquina Maldita (esquina da Sarmento Leite com Osvaldo Aranha). Caio e meu amigo Alex Borloz (já falecido) haviam vivido em comunidade hippie, usado drogas alucinógenas, participado de festas orgiásticas e isso, para um jovem careta como eu, era fascinante. Um mundo que eu desconhecia.

O Alex (meu colega no Curso de História) passara por clínica psiquiátrica para desintoxicação e procurava ter uma “vida normal” (assim mesmo, com aspas, tentativa de fugir do modelo contracultural que o encantara). O Caio, por sua vez, mesmo reconhecendo que “o sonho acabou”, mantinha a cabeça nesse universo cultural e seus contos reproduziam isso de forma magnífica. Naquele ano de 75 ele lançava O ovo apunhalado (Editora Globo) e o acompanhamos em alguns eventos – o mais inusitado num show de rock, num cinema na praia de Atlântida. Caio deu um exemplar do livro para o vocalista da banda e, do palco, o rapaz fez o “lançamento da obra”, isto é, jogou-o na direção da plateia.

Motivado por essa comoção em torno da casa onde Caio viveu seus últimos anos de vida (já debilitado pela Aids) fui reler a biografia Caio Fernando Abreu, inventário de um escritor irremediável, de Jeanne Callegari (São Paulo, Ed. Seoman, 2008). Como aponta José Castello no prefácio, um perfil de Caio Abreu que se lê como um romance. A autora encarna a perspectiva do escritor e apresenta a sua trajetória de forma muito viva, enfatizando suas inquietações, ousadias, bom humor, depressões e a serenidade com que enfrentou o final de sua vida.


         No início dos anos 90, ela indica que Caio se apresentava “meio bruxo, meio mago” – o que talvez explique o modo como muitos o encaram atualmente. O escritor Caio Abreu parece ter adquirido um outro significado além do literário – no qual sempre teve reconhecimento, sendo publicado por grandes editoras (Globo, Brasiliense, Cia. das Letras, L&PM), com aval da crítica e instituições literárias (incluído na coleção “Autores Gaúchos”, do Instituto Estadual do Livro, em 1988).

Os novos leitores, no entanto, agregaram outros sentidos a sua literatura, que não alcanço. Tempos atrás, num evento acadêmico na UFSM, soube de uns estudantes que foram acender velas no seu túmulo (no Cemitério João XXIII, em Porto Alegre). Achei muito estranho e uma professora do Curso de Letras me disse: “Não é o Caio que tu conheces, é outro”. Lembrei disso acompanhando as repercussões da demolição da casa do escritor.

 Obs: em 1975, Caio Abreu estava retomando o Curso de Letras na UFRGS. Mas não aguentou, achou o ambiente terrível e fez meu amigo Alex e eu reconhecermos que, para concluir um curso universitário, só sendo um pouco careta também. Deve ter concluído, com a sua voz forte e muitas vezes irreverente, que "isso não é para mim".

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Um catador de lixo na minha rua

 

Fui surpreendido nesta manhã por um homem revirando o lixo. Não é cena rara na minha rua. Mas dessa vez me espantei. Fui na sacada, uma xícara de café na mão, e lá estava o sujeito, inclinado sobre a lixeira de um prédio, conferindo o material. A máquina fotográfica estava à mão e, com algum constrangimento, registrei a cena. Um espetáculo degradante e comum que volta e meia me atinge feito um soco.

Fiquei olhando o homem da sacada e logo o identifiquei. Volta e meia ele passa por aqui. Tem uma bicicleta, com um engradado de plástico preso ao bagageiro, onde vai colocando o que acha que vale à pena. Um catador criterioso. Barbudo e asseado, acho que está na faixa dos 60 anos e nos cumprimentamos quando cruzamos a mesma calçada. Impressionante a naturalidade como ele realiza a sua função de catador.

– Bom dia – ele disse certa vez, quando revirava a lixeira do meu prédio, e precisei fazer um esforço para responder. Parei na calçada, conversamos sobre o tempo e não percebi revolta nem indignação na sua voz. Era um homem pobre buscando o seu sustento numa atividade inusitada para a classe média asseada que represento.

Ele tem sempre vários cachorros ao redor e já ouvi um dos meus vizinhos perguntar como cuida de tantos animais e se não se preocupa com a possibilidade deles serem atropelados por motoristas imprudentes. O catador explicou que são bichos muito bons e que atendem ao seu comando. Nas sinaleiras, por exemplo, ele faz sinais com as mãos os avisando a respeito da hora de parar e de atravessar. Naquela ocasião em que o vizinho perguntou, reproduziu os gestos e nos permitiu ver o modo atento como os cães o acompanham. Uma bicharada que lhe dá muito orgulho, ele disse, e concordamos, ao observar os olhos doces dos cães.

Não sei o nome do catador de lixo que volta e meia cruza a minha rua e apenas assinalo a sua presença. A velha má consciência se ouriça dentro de mim e, mais uma vez, exercito o olhar sobre a pobreza extrema que se apresenta diante de mim com a maior naturalidade. A pobreza que se desnuda da sacada do apartamento, numa manhã fria e ensolarada de agosto.

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Guerra híbrida

           A nova realidade latino-americana, isto é, as novas formas de intervenção política dos Estados Unidos na América Latina, está a exigir novos conceitos. O modelo que informava os golpes militares que destituíam governos nas décadas de 1960 e 70 - tanques nas ruas, prisões e cassações de adversários - está superado. Os novos golpes – como os de Honduras (2009), Paraguai (2012) e Brasil (2016) – seguem um outro padrão e talvez o conceito de guerra híbrida seja a melhor chave explicativa.

Uma guerra que não mais privilegia soldados num território determinado, mas, sim, ações que visam “controlar ou moldar o comportamento dos organismos inimigos sem destruí-los” - sem colocar tanques nas ruas e tropas cercando palácios de governo e congressos nacionais, como no modelo anterior. Uma guerra neocortical ou psicológica, como teoriza Richard Szafranski, coronel norte-americano. Um novo tipo de ação político-militar estadunidense que tem como objetivo o mesmo que os tradicionais golpes militares: intervir em determinados Estados Nacionais, mudar os seus mandatários, ajustar as suas leis aos interesses norte-americanos, mas, agora, com um grau de violência menor.

Os tanques militares ficam no pátio dos quartéis e basta um twitter (como aquele do general Eduardo Villas Bôas, em 2018, ameaçando o STF caso os ministros ajam de forma independente) para que o adversário político seja escanteado (no caso do twitter citado, que Lula ficasse impossibilitado de concorrer à Presidência da República).

Haja engenharia política para que uma coisa dessas funcione! A essa engenharia, alguns teóricos estão chamando de Guerra Híbrida. Um conjunto de ações que visam, em primeiro lugar, disseminar determinada visão dos fatos (que uma companhia estatal é incapaz de gerir a riqueza petrolífera recém descoberta, que a companhia está sendo alvo de roubo perpetrado pela classe dirigente e que basta mudar isso – a Presidente e o grupo dirigente – pra tudo se resolver). Para isso, pactuar com a grande imprensa (a disseminação de informações é fundamental para moldar comportamentos, agir nas consciências e vontades dos “civis”, a população-alvo), constituir “tenentes” (lideranças), criar e financiar organizações (como MBL e Vem pra Rua), montar lobbys (como o das companhias petrolíferas Chevron e Exxon, articulada pelo cônsul Dennis Hearne, no Rio de Janeiro) e investir em “agentes nucleares”, como juízes (Sérgio Moro), políticos (José Serra e Michel Temer), militares (Eduardo Villas Bôas e Augusto Heleno) e policiais federais. Todas as organizações e personalidades citadas com contatos com autoridades norte-americanas, muitos deles já comprovados por documentos divulgados pelo WikiLeaks.

Escrevo isso porque terminei a leitura de um livro de divulgação sobre o tema: O que você pensa que você pensa, não é você quem pensa: a guerra híbrida no Brasil, de Marcelo Jugend (Curitiba, Editora MouraSA, 2021). Um livro escrito em linguagem acessível com uma abordagem não isenta. O título expressa um certo tom conspiratório, mas só para criar impacto e atrair o leitor. A abordagem é razoável, com bons argumentos, pelo menos para quem entende os Estados Unidos como potência econômica com projeto de dominação da América Latina, incapaz de conviver com Estados Nacionais independentes e soberanos, capazes de administrar e explorar suas reservas petrolíferas. Uma abordagem razoável para quem apostou no Pré-Sal, na possibilidade de criar um novo Brasil a partir dessa riqueza e por aí vai.

           Para quem participa dessa visão de mundo nacionalista e popular – Estado soberano capaz de gerir a riqueza do seu território em benefício da maioria da população – um livro que se lê com o coração aos saltos, dando racionalidade a esse processo que vivemos desde 2013 (a partir das “jornadas de junho”, para estabelecer uma data limite) e que culminou com o Governo Bolsonaro. Um livro escrito com a intenção (explícita) de atingir a parcela da população que ainda não está convencida de que o que vivemos um novo tipo de intervenção estadunidense, muito mais sofisticado do que o modelo dos anos 60 e 70. Livro polêmico, como se vê, que li com gosto e certo sentimento de obrigação. 

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Dívida social

           Quando comecei a lecionar num grupo escolar de Alvorada, em 1978, recordo ter ouvido alguém dizer que eu “devia devolver à sociedade aquilo que ganhara gratuitamente na Universidade Federal”. Eu não achava que devesse coisa alguma, mas, ao mesmo tempo, sentia que devia fazer isso mesmo: lecionar para as crianças oriundas das classes populares, proporcionando a elas o que ganhara de mão beijada. Mas fiz isso mais por idealismo do que por sentimento de dívida, creio eu.

Alvorada era uma cidade dormitório da Região Metropolitana de Porto Alegre (ainda é) e gostei de conhecer seu território e sua população. Um grande aprendizado. A escola era constituída por prédios de madeira (bem no estilo das antigas brizoletas) e apresentava sinais de degradação. Algumas portas e janelas de sala de aula não fechavam direito, faltavam trinques, fechaduras, os banheiros eram terríveis, e, certa vez, durante uma Hora Cívica, o chão de cimento do corredor externo de um dos prédios cedeu (o que abrigava as salas administrativas e o mastro para hastear a bandeira), o chão se abriu aos pés dos alunos e alguns professores (entre eles, eu). A gurizada rapidamente pulou, eu fiquei parado e acho que me agarrei numa pilastra e ninguém se feriu.

Escola de condições precárias, com professoras e funcionárias dedicadíssimas. Impressionante. Eu ganhara um contrato de 12 horas por indicação de um político da Arena (amigo de minha mãe) e não escolhera a cidade nem a escola. Caí nessa escolinha na entrada de Alvorada (Grupo Escolar Júlio César Ribeiro de Souza) porque aí faltava professor e gostei muito. Era o que eu queria para iniciar minha carreira e me dediquei.

Passado o tempo, os dois anos que lecionei nessa escola são o que mais lembro do tempo que estive no Magistério Estadual. Lecionava História do Brasil Colonial para meia dúzia de turmas de quinta série do Primeiro Grau, das grandes navegações às revoltas nativistas, e tinha como livro didático (que eu próprio escolhera) uma excelente História do Brasil, de autoria de Luciano Ramos, publicada pela Companhia Editora Nacional.

Entrava na sala de aula de manhã cedo e no lado oposto às janelas a luz não era boa e eu achava aquilo ruim. Um dia comentei isso com a minha prima (Carmen Lúcia) e ela disse que “isso é bem Brasil” e que eu estava conhecendo “a realidade da educação”.  Grande número de alunos vinha de chinelos de dedos e com pouco agasalho (mesmo no rigor do inverno) e isso me incomodava. Me olhava bem calçado, com roupa quente, e certa má consciência me alfinetava por dentro. Eu recebia meu salário na Caixa Econômica Estadual local (no centro de Alvorada) e caminhar pela beira da estrada, ficar na fila, ouvir as conversas e observar as pessoas eram tarefas do meu “mergulho na realidade social”.

E aprendia, aprendia sempre. Era meu “batismo de giz e quadro verde”. Tempo de descer do ônibus na beira da estrada, sentir a umidade que vinha dum arroio próximo, envolver-se numa névoa que ia se dissipando ao longo da manhã e esmerar-se no ensino da montagem do sistema colonial, com latifúndio, escravidão e monocultura, essas coisas. Vivências inesquecíveis. Se era o pagamento de uma dívida social o que fiz, valeu à pena. Pois ganhei muito mais do que paguei.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Coisas da juventude

 

Fui adolescente privilegiado, isto é, tinha “comida e roupa lavada de graça” e não precisei encarar o “basquete” antes de formado. Aos 16 anos morava com pai e mãe (mais dois irmãos), estava no primeiro ano do Curso Clássico (que a Reforma do Ensino extinguiu naquele ano, 1971) e todos os sábados recebia uma “mesada”. Não lembro o valor, mas dava para o cinema. O teatro era mais caro e precisava economizar.

Nessa idade tive a primeira namorada e um dia cheguei na sua casa e ela falou de um concerto no Teatro Leopoldina (vivíamos em Porto Alegre), com Mozart no programa. Nós estávamos conhecendo a música clássica e imaginamos que pudéssemos ir. Recém escutáramos a Sinfonia nº 41, denominada “Júpiter”, e não fugíramos à regra dos mortais comuns, isto é, nos sentimos alçados ao Olimpo, a moradia dos deuses gregos.

Detalhe importante: essas audições eram num toca-discos portátil, com uma simples caixa de som, na casa da namorada. Mesmo assim, Mozart estava lá, com todo o seu esplendor e encantamento. Na parede da sala onde escutávamos música (a sala de refeições da família) havia um quadro com a paisagem de um parque bem ajardinado, com lago e templo romano. Um quadro provavelmente inspirado nos jardins da Villa Borghese (como vim a saber décadas mais tarde) e muito comum nas casas que eu frequentava.

Paisagem da Villa Borghese (foto encontrada no Google). 

Pois minha namorada falou do concerto, eu fiquei entusiasmado, e a irmã dela (mais velha, estudante de Psicologia) nos jogou um balde de água fria:

– Vocês sabem o preço dos ingressos?

Nós não sabíamos, ela nos informou e ficamos desalentados. Eu precisaria de várias mesadas só para pagar a minha entrada.

 A irmã dela sorria sarcasticamente e foi um momento importante na minha formação, isto é, descobri que nem todas as portas estavam abertas para mim. O mundo do teatro – dos concertos, dos espetáculos de balé, das peças teatrais – não era o mesmo do cinema, que eu frequentava sem problemas. Aos domingos de manhã eu costumava assistir aos Concertos para a Juventude, que a OSPA apresentava no Salão de Atos da Reitoria, da UFRGS, e era isso que conhecia da tal música clássica. A cena cultural mais sofisticada estava distante do meu horizonte.

Na sequência, porém, juntei dinheiro da mesada e ingressei nesse circuito. Recordo a primeira vez que assisti Shakespeare, com Juca de Oliveira interpretando Ricardo III, e também quando vi Tônia Carreiro fazendo Nora, em Casa de bonecas (ambas as peças no Teatro Leopoldina). Mas nunca fui com a namorada a um espetáculo desses. A minha mesada não era suficiente para bancar o ingresso de nós dois.

Mesmo assim não deixo de dizer que era um adolescente privilegiado. Nunca deixei de assistir a nenhum filme por falta de grana. Um dia um amigo me convidou para assistir Le femmes, com Brigitte Bardot (impróprio para menores de 18 anos), demos uma gorjeta para o porteiro e ele mandou nos escondermos no mezanino. Não sei a gorjeta que demos ao porteiro, mas não foi nada que me deixasse desfalcado.

Pensando na perspectiva de hoje (de um velho de 67 anos) aquele filme da Brigitte Bardot proporcionou um prazer tão grande quanto as peças teatrais com Juca de Oliveira e Tônia Carreiro (assistidos mais ou menos na mesma época). Mas que teria sido bom ir ouvir Mozart com a namorada, aos 16 anos, isso não posso deixar de dizer.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Universo "bicho grilo"

 

Reli Hermann Hesse dias atrás, numa edição de 1970, da editora Civilização Brasileira, um exemplar semelhante ao que li quando andava por volta dos 17 anos. Inevitável a associação com a contracultura e o movimento hippie, fenômenos que marcaram a década de 1960 e ainda eram fortes no início dos anos 70. Fenômenos culturais que ganharam a denominação jocosa de “bicho grilo”, isto é, constituído por pessoas que se propunham um estilo de vida avesso aos padrões sociais dominantes, ditados pela sociedade de consumo e o militarismo (no caso desse último, exemplificados pela presença dos Estados Unidos no Sudeste Asiático e o Regime Militar no Brasil). Um universo de quem ouvia Beatles, Rolling Stones e The Who à sério, deixava-se encantar pelo dístico “Paz & Amor”, pela Sociedade Alternativa (cantada por Raul Seixas) e, em alguns casos, lia a coluna do Luiz Carlos Maciel no Pasquim. Não necessariamente a gurizada que curtia isso consumia drogas, mas era tentada a experimentar um cigarro de maconha e/ou um comprimido de LSD.

Pois é, reli Contos, de Hermann Hesse – "Märchen", no texto original, "Contos de fadas", na tradução literal proposta por Otto Maria Carpeaux -, narrativas com as características das histórias tradicionais para crianças – atemporais, fantasiosas e sublimes –, mas com desenvolvimento temático voltado ao público adulto (a arte da aprendizagem, entre elas).

Hermann Hesse (1877-1962) foi um escritor alemão sem relação alguma com a contracultura e os hippies (fenômenos norte-americanos do período da Guerra Fria), mas suas obras foram lidas na década de 1960 como precursoras desses movimentos e, dessa maneira, ressignificadas. Os romances “Demian” (1917) e “Sidarta” (1922) retratam jovens em busca de um caminho espiritual próprio (contrário ao padrão dominante e, inclusive, às suas lideranças espirituais) e caíram como uma luva na sensibilidade da juventude contracultural. Foi dessa maneira que seus livros se tornaram best-sellers nos EUA e se difundiram no Brasil. Na revista Manchete, por volta de 1970, artistas que se diziam “contra o Sistema” eram fotografados sentados na posição iogue com um livro de Hesse nas mãos.

Em Contos, Hesse desenvolveu temas que têm relações com as inquietações da juventude contracultural, como a busca de experiências individuais (mágicas e/ou oníricas) que a distinguisse das massas orientadas pelos meios de comunicação social.

Em “O poeta”, um jovem de 20 anos abandona a família para se dedicar à arte da poesia, pois descobre que nela existe uma beleza não encontrável na realidade. Um aprendizado intenso e extremamente individual que o conduz ao isolamento social e a um estágio espiritual elevadíssimo. Em “Metamorfose”, um jovem busca a integração completa com o mundo, assim como a mudança constante da sua natureza em borboleta, árvore ou nuvem. “Quando [os homens] não possuem o dom da transformação, com o tempo caem na tristeza e se atrofiam”, explica o narrador. Um aprendizado necessário, mas fora do alcance da maioria dos mortais.

Reli esses e outros contos e revivi parte do clima cultural que dominou minha juventude. Escrevo “parte” porque fui aluno de colégio católico, integrante de um grupo de jovens da paróquia do bairro e a Igreja ocupava lugar de destaque na minha vida. Mesmo assim não exagero ao afirmar que, no início dos anos 1970, quando li pela primeira vez esses contos (assim como Narciso e Goldmund e Sidarta), era esse o universo cultural em que vivia.

Lendo "Metamorfose", lembrei de uma namorada que tive aos 16 anos... Foi como se revisse os seus desenhos (belíssimos aos meus olhos de adolescente) com moças e rapazes se transformando em peixes, flores e estrelas. Ela desenhava e falava sobre isso, dizendo que era o que assistia no jardim da sua casa e nas ruas arborizadas do seu bairro (sem nenhum ingestão de LSD ou outra droga qualquer). Ela almejava romper com o universo de classe média católica e conservadora em que era criada... e, relendo Hermann Hesse, fiquei imaginando onde foi parar essa criatura...

Certamente atravessou bosques, subiu montanhas, descerrou portas de castelos, encontrou um mago e aprendeu a pintar lindos quadros e ver o mundo ora como uma árvore, ora como uma gazela ou um cometa. 

Não, não vou encerrar essa crônica dizendo que a antiga namorada entrou nno rol das vidas prosaicas e limitadas que a maioria de nós vive. Não, ela seguiu o Mestre, isto é, o que as narrativas de Hermann Hesse apontavam.

Desenho da antiga namorada encontrada
entre as páginas de um livro.


domingo, 7 de agosto de 2022

O centenário dos Dezoito do Forte

            A revolta militar de 5 de julho de 1922, no Forte de Copacabana, é um acontecimento significativo da nossa história republicana. Ela inaugura o movimento Tenentista, rebelião de oficiais de escalão médio do Exército, que se desdobrou em diversos episódios, como a Revolta Paulista de 1924, a Coluna Prestes, a Insurreição Comunista de 35 (alguns tenentes ingressaram no Partido Comunista) e até o Golpe de 64. O Tenentismo deu início a um padrão de intervenção militar na política brasileira (conservador, autoritário e golpista), que muitos de nós perguntamos se esgotou-se ou vai se repetir nesse ano de 2022 com os militares liderados por Bolsonaro.

Em 1922, os militares rebeldes pretendiam protestar contra Artur Bernardes, recém empossado na Presidência da República. O movimento foi articulado para ocorrer em diversas unidades militares, mas só ganhou maior dimensão no Forte de Copacabana. A revolta iniciou na madrugada de 5 de julho, a reação governista foi rápida e pela manhã a grande maioria dos rebeldes se rendia. Dezoito desses militares dividiram uma bandeira nacional (cada um colocou o seu pedaço de bandeira junto ao peito) e decidiram sair marchando pela Avenida Atlântica e enfrentar as forças legalistas.

Mas nessa versão talvez haja imprecisão. Há quem diga que eram 26 os rebeldes que não se entregaram e, ao saírem pelo portão do forte, alguns debandaram. No meio da marcha o fotógrafo Zenóbio Correia clicou o grupo que, nesse momento, era em número de dezoito (sendo um deles o engenheiro gaúcho Otávio Correia, que aderiu ao movimento na hora). Quando se deu o combate, porém, restavam apenas onze. Nove foram recolhidos mortos e os dois sobreviventes, aprisionados: Siqueira Campos e Eduardo Gomes.

A discussão sobre o número exato dos resistentes não se esgotou, mas, seja qual for o resultado, o levante ficou registrado como o dos “Dezoito do Forte”. No Museu Histórico do Exército, localizado no interior do Forte de Copacabana, é dessa forma que o episódio é lembrado e festejado. Uma vitrine reproduz os rebeldes na avenida, pouco antes da troca de tiros com a tropa legalista (conforme foto abaixo, que tirei numa visita ao museu, em 2016) e tom épico é evidente.

Vitrine sobre os Dezoito do Forte, no Museu Histórico do Exército.

Minha mãe gostava de falar sobre o episódio, que ela conheceu a partir da lenda criada a respeito por um dos seus sobreviventes, o Brigadeiro Eduardo Gomes. O Brigadeiro (posto que ganhou em 1941, quando foi criada a FAB) se tornou uma referência na oposição a Getúlio Vargas, a partir do final do Estado Novo. Apoiador de Vargas em 1930 (como a maioria dos tenentes), ele migrou para a oposição no final do Estado Novo e foi candidato à Presidência da República pela União Democrática Nacional (UDN), em 1945 e 50. Apesar de derrotado, sempre teve votação expressiva. Para a sua primeira campanha, Manuel Bandeira compôs um poema que minha mãe sabia de cor e repetia pela casa: “Pergunto ao homem do Norte, / Do Centro e Sul: Companheiro, / Quem dos Dezoito do Forte / É o mais legítimo herdeiro? – O Brigadeiro!”

Ela dizia esses versos e ria. Explicava que fora antigetulista na juventude (tinha 20 anos em 1945), mas que sabia pouco sobre o Getúlio e também sobre os militares. Na maturidade leu muito sobre o assunto (me pedia livros de História com esse propósito) e mudou de ideia.

Famosa foto dos Dezoito do Forte.
Eduardo Gomes é o primeiro à esquerda.

           Sentados na sala do seu pequeno apartamento, no final da sua vida, nós ainda conversávamos sobre história, sobre os militares guiados pelo “Ideal da Salvação Nacional” (expressão utilizada para designar o ideário difuso dos militares desde o tenentismo) e achávamos que eles tinham mudado, isto é, aderido à democracia liberal. Conversa de dez anos atrás, claro, quando Bolsonaro era uma figura folclórica da política (nostálgico do Regime Militar e defensor da eliminação física dos adversários) e muitos de nós achávamos superada a possibilidade de intervenção militar na política (seja por ação golpista tradicional, seja como comissão no TSE, tentando melar o processo eleitoral).

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Visita a Rocinha

           Em julho de 2018 estive no Rio de Janeiro com a Rose, minha antiga companheira, e uma das primeiras coisas que fizemos foi visitar o Forte de Copacabana. Estávamos hospedados num hotel ali perto e fomos fazer um lanche na filial da Confeitaria Colombo, dentro do Forte. Uma sorridente garçonete nos atendeu, começamos a conversar com ela e a moça nos contou que morava na Rocinha com a filha pequena. Mas às vezes havia tiroteios, explicou, não podia sair de casa e até faltava ao serviço. Fora esses contratempos, decorrentes dos conflitos entre as gangues ou dessas organizações com a polícia, a Rocinha era um bairro como outro qualquer, ela insistiu. Muito bom de morar, acessível.

Ficamos admirados com o modo tranquilo como a garçonete lidava com a violência do morro e nos perguntamos: que Rio de Janeiro é esse? Não é a cidade que estávamos vivendo, hospedados num pitoresco bairro da Zona Sul, passeando pela segura alameda de um forte militar, olhando o mar e a praia de Copacabana, e depois, sentados nas elegantes cadeiras de uma confeitaria, aproveitando um saboroso lanche, atendidos por atenciosa funcionária.

Há um outro Rio de Janeiro, pensamos, ao sair do Forte e irmos bater pernas pela Avenida Atlântica – um Rio de Janeiro que não é o da Zona Sul nem o do centro e o do antigo porto revitalizado. No balcão do hotel encontramos um folder de passeios turísticos e, entre as ofertas, um tour pela Rocinha. Minha companheira se entusiasmou, eu arrepiei (e se pegarmos um desses dias de tiroteio?), mas terminei encarando o passeio.

Dois dias depois (no início da manhã) um jipão estacionou na frente do hotel, um simpático guia (com a devida displicência carioca) pulou da cabine, nos indicou um lugar na carroceria e lá fomos nós, junto com meia dúzia de australianos. Os brasileiros geralmente não gostam desses tours e os estrangeiros (especialmente europeus) são a principal clientela.

O motorista nos conduziu até o alto da Rocinha, o guiou saiu para conversar com moradores e voltou avisando que a “tava tudo beleza” (a área em completa segurança) e deu início ao tour. Quase três horas descendo o morro a pé, na maioria do tempo por ruas estreitas – algumas delas da mesma largura daquelas que encontramos nos bairros medievais que visitamos na Europa e nos encantamos. O nosso medievo, pensei, com a precariedade e selvageria daqueles tempos antigos.

As ruas estreitas da Rocinha.

Entretanto, seja como for, também um bairro como outro qualquer – com prosaicos moradores na porta das casas dizendo “bom dia” aos visitantes e tocando a vida normalmente. Mulheres com sacolas de compras, crianças brincando, velhinhos sorridentes. Gente simples, comum, mas um e outro rapagão com um jeito que me pareceu os de filme de bandidagem carioca.

O guia falava da variedade do comércio e apontava as lojas com produtos para animais domésticos, os salões de beleza, os restaurantes de comida italiana e também os de sushi. O bairro abriga uma população de mais de 200 mil (informação do guia que o IBGE não confirma) e aí se encontram tanto modestos trabalhadores quanto um setor com renda de classe média, com todo o apetite de consumo da classe média brasileira.

– A Rocinha não se restringe ao tráfico de drogas – explicou o guia. – É muito mais do que isso. E, quanto às drogas, é bom lembrar que ela não é consumida aqui, mas no asfalto.

Vista da Rocinha do Bar e Restaurante Os Ximenes.


         Muito estranho o mundo em que vivemos, pensei, de volta a Zona Sul, bebendo uma taça de vinho branco no bar do entorno da piscina do Copacabana Palace. Não era o hotel onde estávamos hospedados, claro, e entráramos ali com a mesma curiosidade com que visitáramos a Rocinha: a de conhecer os diferentes espaços do território carioca. As diversas cidades que o Rio de Janeiro abriga: a da precariedade chocante e a do luxo estonteante.

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

As histórias dos outros - por Zuenir Ventura

            Estive em Porto Alegre e fiz a visita inevitável aos sebos da cidade. Um hábito (ou vício) incontrolável. Entre as aquisições, Minhas histórias dos outros (2005), de Zuenir Ventura. Também adquiri Memórias de Garibaldi, de Alexandre Dumas, publicação da L&PM, e um exemplar de capa dura do Monteiro Lobato, de 1960, que tive na na infância e se extraviou.

Zuenir escreve sobre um período de cinquenta anos (1954 a 2004), desde que chegou ao Rio de Janeiro para cursar Letras, enfocando sua atividade jornalística. Os episódios que viveu e as pessoas que conheceu.

Esteve na Europa em 1960-61 (fazendo curso de jornalismo em Paris) e, em Viena, assistiu Jacqueline Kennedy descendo de um carro e conseguiu clicar a grande dama, um mito naquela época. Acompanhou Glauber Rocha em Cannes, barbarizando com o filme “Deus e o diabo na terra do sol”. Subiu o morro Dona Marta e entrevistou o traficante Márcio VP, em 1997, que então declarava simpatia ao zapatismo e pousava de guerrilheiro. Não é pouca coisa.

Mas comprei o livro porque abri na página em que ele descrevia o “verão da abertura” (1979-80) e se referia ao Fernando Gabeira pousando de tanga de crochê em Ipanema. Gabeira fazia sucesso com O que é isso, companheiro? e divulgava temas que, segundo Zuenir, eram novos para a esquerda tradicional, como “culto ao corpo, liberdade sexual, direito da mulher, homossexualismo, ecologia e racismo”. Novos para a esquerda ainda marcada pelos partidos comunistas, me parece, pois a esquerda estudantil já discutia esses temas há algum tempo.

Seja como for, Zuenir tem razão: Gabeira era uma referência para um novo debate político-cultural. Alguns homens questionavam o machismo (a tanga de crochê tinha essa intenção), algumas mulheres ensaiavam topless nas praias do Rio e novas formas de relacionamento sentimental e sexual se expandiam, como a “amizade colorida”. A abertura política tinha um complemento de abertura comportamental ou algo assim.

Tempos interessantes, aqueles. As mulheres aprimoravam a arte da exibição do corpo, com novos formatos de biquini (asa-delta, bumerangue e ti-ti-ti) e os partidos comunistas voltavam a mostrar a cara (durante a campanha “Diretas Já”), inclusive emitindo novas carteirinhas para seus filiados. Bundas à mostra e comunistas sem medo – uma feliz síntese dos anos 80. Mas logo chegou a peste (a Aids) e tudo pareceu refluir. Segundo o autor, era o fim da revolução sexual iniciada na década de 60.

Paralelo aos novos ares liberais na política e nos costumes, no entanto, um quadro de violência criminosa crescia no Rio de Janeiro. Em 1981, a revista Veja publicou uma reportagem sobre o tema (produto da sucursal carioca, chefiada pelo autor) com a seguinte chamada de capa: “A guerra civil no Rio”. Era a primeira vez que a expressão “guerra civil” era utilizada na imprensa. Um quadro que, ao longo da década de 80, se expandiu. Os traficantes terminaram consolidando um poder paralelo na cidade (tema de seu livro Cidade partida, 1994) e que parece perdurar até hoje.         

          Gostei do livro de Zuenir (mesmo lido quase vinte anos depois de publicado). Leitura fluente, leve, dando conta das transformações ocorridas com a redemocratização (que hoje está em perigo) e também de situações terríveis, como o atentado terrorista no Riocentro (1981), a chegada da Aids, o terror criado pelas organizações de traficantes e o assassinato de Chico Mendes (1988). Assuntos que o autor vivenciou, escreveu e recordou. Temas do nosso mundinho cruel, às vezes sufocante, mas nem por isso menos sedutor.