domingo, 7 de agosto de 2022

O centenário dos Dezoito do Forte

            A revolta militar de 5 de julho de 1922, no Forte de Copacabana, é um acontecimento significativo da nossa história republicana. Ela inaugura o movimento Tenentista, rebelião de oficiais de escalão médio do Exército, que se desdobrou em diversos episódios, como a Revolta Paulista de 1924, a Coluna Prestes, a Insurreição Comunista de 35 (alguns tenentes ingressaram no Partido Comunista) e até o Golpe de 64. O Tenentismo deu início a um padrão de intervenção militar na política brasileira (conservador, autoritário e golpista), que muitos de nós perguntamos se esgotou-se ou vai se repetir nesse ano de 2022 com os militares liderados por Bolsonaro.

Em 1922, os militares rebeldes pretendiam protestar contra Artur Bernardes, recém empossado na Presidência da República. O movimento foi articulado para ocorrer em diversas unidades militares, mas só ganhou maior dimensão no Forte de Copacabana. A revolta iniciou na madrugada de 5 de julho, a reação governista foi rápida e pela manhã a grande maioria dos rebeldes se rendia. Dezoito desses militares dividiram uma bandeira nacional (cada um colocou o seu pedaço de bandeira junto ao peito) e decidiram sair marchando pela Avenida Atlântica e enfrentar as forças legalistas.

Mas nessa versão talvez haja imprecisão. Há quem diga que eram 26 os rebeldes que não se entregaram e, ao saírem pelo portão do forte, alguns debandaram. No meio da marcha o fotógrafo Zenóbio Correia clicou o grupo que, nesse momento, era em número de dezoito (sendo um deles o engenheiro gaúcho Otávio Correia, que aderiu ao movimento na hora). Quando se deu o combate, porém, restavam apenas onze. Nove foram recolhidos mortos e os dois sobreviventes, aprisionados: Siqueira Campos e Eduardo Gomes.

A discussão sobre o número exato dos resistentes não se esgotou, mas, seja qual for o resultado, o levante ficou registrado como o dos “Dezoito do Forte”. No Museu Histórico do Exército, localizado no interior do Forte de Copacabana, é dessa forma que o episódio é lembrado e festejado. Uma vitrine reproduz os rebeldes na avenida, pouco antes da troca de tiros com a tropa legalista (conforme foto abaixo, que tirei numa visita ao museu, em 2016) e tom épico é evidente.

Vitrine sobre os Dezoito do Forte, no Museu Histórico do Exército.

Minha mãe gostava de falar sobre o episódio, que ela conheceu a partir da lenda criada a respeito por um dos seus sobreviventes, o Brigadeiro Eduardo Gomes. O Brigadeiro (posto que ganhou em 1941, quando foi criada a FAB) se tornou uma referência na oposição a Getúlio Vargas, a partir do final do Estado Novo. Apoiador de Vargas em 1930 (como a maioria dos tenentes), ele migrou para a oposição no final do Estado Novo e foi candidato à Presidência da República pela União Democrática Nacional (UDN), em 1945 e 50. Apesar de derrotado, sempre teve votação expressiva. Para a sua primeira campanha, Manuel Bandeira compôs um poema que minha mãe sabia de cor e repetia pela casa: “Pergunto ao homem do Norte, / Do Centro e Sul: Companheiro, / Quem dos Dezoito do Forte / É o mais legítimo herdeiro? – O Brigadeiro!”

Ela dizia esses versos e ria. Explicava que fora antigetulista na juventude (tinha 20 anos em 1945), mas que sabia pouco sobre o Getúlio e também sobre os militares. Na maturidade leu muito sobre o assunto (me pedia livros de História com esse propósito) e mudou de ideia.

Famosa foto dos Dezoito do Forte.
Eduardo Gomes é o primeiro à esquerda.

           Sentados na sala do seu pequeno apartamento, no final da sua vida, nós ainda conversávamos sobre história, sobre os militares guiados pelo “Ideal da Salvação Nacional” (expressão utilizada para designar o ideário difuso dos militares desde o tenentismo) e achávamos que eles tinham mudado, isto é, aderido à democracia liberal. Conversa de dez anos atrás, claro, quando Bolsonaro era uma figura folclórica da política (nostálgico do Regime Militar e defensor da eliminação física dos adversários) e muitos de nós achávamos superada a possibilidade de intervenção militar na política (seja por ação golpista tradicional, seja como comissão no TSE, tentando melar o processo eleitoral).

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