quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Plástico zero

             Não é exagero dizer que a maioria da população brasileira não se preocupa com o lixo – em especial com os resíduos plásticos, que tem sido uma das pragas de nossas praias. Anos atrás, assisti a um grupo de estudantes do Curso de Oceanografia (da FURGS) realizar uma coleta de lixo na praia do Cassino e me impressionei com o que eles juntaram. Pelo que entendi, além de lixo deixado por veranistas, era também material que a tripulação dos navios joga ao mar e as ondas trazem até a areia da praia.

No arquipélago de Fernando de Noronha, porém, esse cuidado com o lixo – em especial com o plástico – é alvo de preocupação extremada e desde abril de 2019 vigora um decreto que proíbe o uso de “plásticos descartáveis, como copos, pratos, canudos, sacolas, talheres e garrafas com menos de 500 ml”. Um decreto que deu origem a uma campanha denominada "Plástico zero".

No aeroporto, presenciei um funcionário chamando a atenção de um turista que desembarcava com sacolas plásticas e senti o vigor da campanha. O funcionário pediu que o visitante se desfizesse do material e senti que estava ingressando num espaço diferenciado do território brasileiro.

Mais tarde, na fala dos guias, no passeio ao Memorial Noronhense (que privilegia a história da Ilha, mas também reserva um setor para o lixo coletado nas praias e no mar), fui me dando conta de que o tema não é apenas preocupação das autoridades, mas é abraçado pela população em geral. Durante um passeio de barco no entorno da ilha, esse cuidado ficou bem explicitado.

Devido ao vento forte do alto mar, uma senhora perdeu a viseira de proteção solar e logo um tripulante do barco veio resgatá-la. A senhora disse que se tratava de um simples chapéu de praia e que ele não se preocupasse. Todos nós vimos a viseira boiar sobre as ondas do mar e acho que ninguém considerou que fosse importante retirá-la das águas. Mas o marujo, gentilmente, disse que era material estranho ao mar e que poderia causar dando a fauna e flora marinhas. A senhora ficou de queixo caído com as explicações (literalmente de queixo caído – era uma senhora muito divertida, com expressões e dizeres exagerados e engraçados) e concordou completamente com o homem.

A partir daí, todos nós assistimos ao marujo pegar uma vara com um gancho na ponta e “pescar” a viseira. Ele gritava para o condutor do barco manobrar, dar uma ré, colocar a embarcação próximo ao boné para ele alcançá-lo com a vara. Uma operação que realizou com muita calma e pleno êxito: a viseira foi apreendida pelo gancho da sua vara.

Cena do mar, durante o passeio.

Ao final, aplausos gerais e risos (para a "vara do marujo"). Uma aula de cuidados ambientais. Uma experiência digna da preocupação ecológica que domina o arquipélago e é abraçada tanto pelas autoridades quanto pela população local. Não é de graça que o local é considerado um paraíso.


Adendo: após escrever essa entusiástica crônica a respeito do preservacionismo ambiental em Fernando de Noronha, assisti a trecho de um vídeo de funcionário do Ministério do Turismo ironizando as preocupações do ICMBio quanto ao arquipélago (e provocando gargalhadas do auditório). Procurei mais informações e constatei que as orientações do ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura (por meio da secretaria da pesca) e também da EMBRATUR são no sentido de reverter as políticas ambientais no arquipélago: liberar a pesca da sardinha (espécie-chave da cadeia alimentar da fauna marinha) e permitir a atracagem de cruzeiros com 600 passageiros, por exemplo. 

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Viagem a Fernando de Noronha

 

A pandemia não terminou e me encorajei a atravessar o país e visitar a ilha Fernando de Noronha. Para um sujeito que encarou o isolamento social de forma radical, foi uma áfrica e tanto. Apresentei comprovação de vacinas para ingressar na ilha, segui os protocolos de segurança recomendados e deu tudo certo, isto é, apesar de vivenciar algumas situações de aglomeração (nos aeroportos), não houve contaminação nem preocupação excessiva. Até agora, tudo bem.

A opção pela viagem foi repentina e ainda me espanto com a decisão. No início de outubro entrei em contato com uma agente de turismo para obter informações sobre futura viagem (no próximo ano), ela me apresentou uma excursão a ilha e não resisti. Era a hora, uma oportunidade e tanto, e fui. Cinco dias na ilha. Voltei ontem de madrugada.

A chegada no aeroporto de Fernando de Noronha.

Não imaginei fazer esse preâmbulo para narrar uma viagem. Quando iniciou a pandemia, pensei que seria por curto período de tempo e logo a normalidade seria recuperada. Doce ilusão. Volto às atividades normais com o vírus ainda disseminado, causando mortes, com a vacinação lenta (no Brasil, ainda não foi alcançado 70% da população, que entendi ser o mínimo para uma situação segura) e tem sido um exercício e tanto encarar essa situação.

Sentado numa cadeira na Praia de Santo Antônio, depois de um banho num mar de águas límpidas e calmas (tendo ao fundo o porto da ilha), fiquei pensando em como faria o registro da viagem... Uma viagem de turismo em tempos de peste. Os números relativos às contaminações, doentes e mortos em queda no País, mas ainda uma situação que requer cuidados especiais, segundo às autoridades médico-sanitárias sérias (Conselho Federal de Medicina fora, pois está atolado no bolsonarismo).

Naquela tarde, estirado numa cadeira de praia, eu estava exaurido pelas trilhas e passeios (de barco inclusive, com direito a flutuar no mar e olhar os peixes por meio de máscara) e procurava reunir as impressões da viagem. Os cenários paradisíacos, o aspecto bucólico das vilas (com 6 mil moradores no total), os relatos dos habitantes, as experiências vividas.

Praia de Santo Antônio com o porto ao fundo,

Quanto ao relato dos moradores, escutara pontos de vistas diversos em relação a viver na ilha. Segundo Carlinhos (um divertido guia de passeios), Fernando de Noronha é um lugar tranquilo, sem registro de violências como roubo, assalto e assassinato, e só isso justifica a satisfação em viver no local. Ele é natural da ilha e ali fez a sua vida, desde cedo envolvido com turismo. Só se assustou no ano passado, quando a pandemia interrompeu o fluxo de viajantes e criou uma situação desesperadora (que se normalizou a partir do final do ano passado).

Um motorista de táxi, no entanto, me disse que a tranquilidade da ilha tem um preço alto: custo de vida caro, com gasolina (neste início de novembro) a R$ 9,60. Relato ampliado por uma vendedora, numa loja: local tranquilo, sim, mas tedioso. “Só trabalho e praia”, ela disse, de modo desanimador. E concluiu não ver a hora de voltar a morar em Recife (cidade em que nasceu). Ela e o marido estão ilha só para fazer um pé de meia, explicou. Ilha tranquila, cara, mas com alternativas de ganho financeiro.

Seria a ilha um cenário paradisíaco apenas para os turistas? Pergunta que não arrisco responder. Sou um turista e vejo a ilha desta perspectiva. Sempre entendi as áreas portuárias como locais de muita sujeira e me espantei ao tomar banho próximo aos navios ancorados, como fiz nessa prainha chamada Santo Antônio. As águas são cristalinas (com água pelo pescoço, enxerguei meus pés) e me espanto com os cuidados em relação ao lixo. Tema para outros textos desse cronista que está se arriscando a sair de casa e habituando-se aos novos tempos.