quinta-feira, 24 de maio de 2018

Batalha da Ponte Mílvea


A batalha da Ponte Mílvea é daquelas que se estuda na história romana devido ao seu papel na reorganização do Império após a crise do século II d.C. É o confronto militar no qual Constantino derrota Maxêncio, às margens do rio Tibre, em 312, e dessa maneira prepara o caminho para a reunificação dos impérios do Ocidente e Oriente (criados por Diocleciano) e seu coroamento como único imperador. Para quem tem alguma intimidade com a história do Cristianismo, no entanto, é muito mais do que isso.

Segundo a lenda católica, às vésperas da batalha, Constantino teria tido uma visão na qual se apresentou uma cruz com a legenda  In hoc vince (Através disso vence) e ele se converteu ao Cristianismo. O general mandou desenhar nos escudos da sua tropa o signo da Cruz e derrotou seu adversário. Na sequência, foi promulgado o Édito de Milão (assegurando a liberdade de culto), terminaram as perseguições aos cristãos e abriram-se as possibilidades do Cristianismo se estabelecer como religião oficial e estruturar-se como igreja imperial. Para alguns, Constantino encerrou a Antiguidade (o domínio do paganismo) e inaugurou o início da Cristandade (um modelo sócio-político no qual o Cristianismo ocupa o polo central).

A Batalha da Ponte Mílvia (detalhe), de Rafael Sânzio. Vaticano.
Escrevo isso porque há pouco mais de um ano passei diante da Ponte Mílvea, em Roma, e a cena se gravou em mim como uma espécie de iluminação. Estava dentro de um ônibus, a professora de italiano se referiu à ponte rapidamente... e fui transportado ao meu mundo de criança. Uma experiência e tanto, dessas que a gente volta e meia relembra.

E me refiro a essa vivência como “iluminação” porque a minha infância se fez presente naquele momento como um jato de luz. Fui iluminado pela lembrança do tempo em que era aluno de catequese, me preparava para a primeira comunhão e me enfronhava nas lendas e histórias da Igreja Católica. Em algum momento daquele período da infância aprendi sobre a visão de Constantino, a cruz marcada nos escudos dos soldados, e acredito que a História Geral de Souto Maior (um livro muito adotado pelas escolas na década de 60) tenha sido uma das referências. Provavelmente foi nesse livro didático (do meu irmão mais velho) que li pela primeira vez a respeito do assunto.

Essa semana, relendo A Igreja no Império Romano, do historiador gaúcho Martin Dreher, descobri que a matriz dessa lenda é Eusébio de Cesaréia, contemporâneo de Constantino. Eusébio escreveu uma história eclesiástica na qual afirmava que o general implorou ao “Deus dos céus e de seu Logus, Jesus Cristo” a vitória no campo de batalha. Mais tarde, após a morte de Constantino, Eusébio acrescentou mais detalhes. Contou que, às vésperas da batalha com Maxêncio, o futuro imperador teve uma visão ao meio-dia e viu uma Cruz se colocar diante do Sol com a famosa inscrição afirmando que ele venceria com aquele símbolo cristão.
Martin Dreher comenta que Constantino não se converteu ao Cristianismo às vésperas da batalha de Ponde Mílvia e só foi batizado 25 anos depois, no leito de morte. Constantino era adepto do culto a Mithras, mas nem por isso deixou de perceber que a nascente Igreja Cristã poderia ser útil para a reorganização do então fragmentado Império Romano. Um político sagaz que soube fazer um pacto com a Igreja muito proveitoso para os dois lados. 
A história romana é um tema que não tem fim e imagino que um dia, se voltar a Roma, procurarei a Ponte Mílvea. Mas não será apenas para homenagear as glórias do imperador Constantino ou a inauguração da Cristandade. Será, principalmente, para lembrar de um guri que foi coroinha na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Pelotas, e um dia acreditou que as forças divinas eram capazes de intervir na história dos homens.


- DREHER, Martin. A Igreja no Império Romano. São Leopoldo: Sinodal, 1993. (vol. 1 da coleção "História da Igreja".)
- SOUTO MAIOR, A. História Geral: para o ensino de 2º Grau e vestibulares. São Paulo: Companhia Editora Nacional, s/ data.