terça-feira, 21 de agosto de 2018

Roma no cinema e na porta da geladeira


Uma noite dessas peguei na TV o filme “A princesa e o plebeu” (1953), com Audrey Hepburn e Gregory Peck. Estava recém começando e resolvi conferir. Já tinha visto trechos desse filme e ouvido minha mãe falar a respeito (ela gostava muito de cinema), mas acho que nunca havia assistido do início ao fim.

“A princesa e o plebeu” se passa em Roma, no início da década de 1950, e tem belíssima fotografia em P&B. Uma princesa foge da sua comitiva, conhece um jornalista norte-americano e os dois passam um dia de pequenas e inocentes aventuras pelas ruas da cidade. A princesa é a mais pura inocência (Audrey Hepburn no auge da sua juventude), enquanto o jornalista é um madurão esperto, sempre gentil, que a princípio quer produzir um furo jornalístico (uma entrevista exclusiva). Pouco a pouco, porém, o madurão esperto se deixa seduzir pelos encantos da moçoila e desiste de suas intenções profissionais. Enquanto isso, eles passeiam pelos cenários de cartões postais de Roma: o Coliseu, o Monumento a Vittorio Emanuele, o Panteão, o Rio Tibre e assim por diante. Circulam de lambreta pelas ruas de Roma, provocam divertidas confusões, e o amor (ou qualquer coisa parecida) se impõe entre eles. A comédia romântica no seu melhor estilo.

Assisti ao filme até o fim porque lembrei dele quando visitei Roma (e também por causa de minha mãe e das nossas conversas sobre cinema). Um dia, passeando na região do antigo Fórum, entrei numa tenda de souvenires e encontrei um imã de geladeira com uma cena do filme (“Vacanze romane”, na tradução para o italiano). A cena em que a princesa come um sorvete de casquinha na escadaria da Piazza di Spagna, as escadas que ligam a praça à Igreja Trinità del Monti – um local de destaque em qualquer roteiro turístico da cidade - e que eu acabara de visitar.


Quando olhei aquele imã de geladeira, senti que estava diante de uma das matrizes do imaginário que assimilei a respeito de Roma. Como todo mundo que se criou na sala escura dos cinemas (ou varou madrugadas assistindo filmes na TV), percebi que estava pagando o meu tributo ao cinemão norte-americano. Gostando ou não desses filmes, hollywoodianos, foram eles que primeiro me informaram a respeito do mundo – e da cidade de Roma inclusive. Depois é que vieram o cinema de Rosselline, Vittorio de Sicca, e a literatura de Stendhal e Moravia.

Naquele dia, comprei o imã e gostei de passear pelas ruas de Roma com o pequeno souvenir no bolso do casaco. Era como se o guri que não passava semana sem ir ao cinema estivesse revivendo dentro de mim e cobrando alguma coisa. Aquilo que tantas vezes nas salas escuras – as ruínas do Coliseu, as águas do Rio Tibre –, agora estava conferindo in loco. De certa forma, feliz da vida, eu estava pagando o meu tributo aos estúdios cinematográficos norte-americanos. 


Um bom assunto para conversar com minha mãe, penso hoje, se ela ainda estivesse viva. Afinal, filmes, atrizes e atores eram um dos nossos temas. E quase sempre concluíamos a respeito do quanto conhecemos o mundo (ou conhecemos inadequadamente) através do cinema e suas representações.