Uma noite dessas peguei na TV o filme “A princesa e o
plebeu” (1953), com Audrey Hepburn e Gregory Peck. Estava recém começando e
resolvi conferir. Já tinha visto trechos desse filme e ouvido minha mãe falar a
respeito (ela gostava muito de cinema), mas acho que nunca havia assistido do
início ao fim.
“A princesa e o plebeu” se passa em Roma, no início da década de 1950, e tem belíssima fotografia em P&B. Uma princesa foge da
sua comitiva, conhece um jornalista norte-americano e os dois passam um dia de
pequenas e inocentes aventuras pelas ruas da cidade. A princesa é a mais pura
inocência (Audrey Hepburn no auge da sua juventude), enquanto o jornalista é um
madurão esperto, sempre gentil, que a princípio quer produzir um furo
jornalístico (uma entrevista exclusiva). Pouco a pouco, porém, o madurão
esperto se deixa seduzir pelos encantos da moçoila e desiste de suas intenções
profissionais. Enquanto isso, eles passeiam pelos cenários de cartões postais
de Roma: o Coliseu, o Monumento a Vittorio Emanuele, o Panteão, o Rio Tibre e
assim por diante. Circulam de lambreta pelas ruas de Roma, provocam divertidas confusões,
e o amor (ou qualquer coisa parecida) se impõe entre eles. A comédia romântica
no seu melhor estilo.
Assisti ao filme até o fim porque lembrei dele quando visitei
Roma (e também por causa de minha mãe e das nossas conversas sobre cinema). Um dia, passeando na região do antigo Fórum, entrei numa tenda de
souvenires e encontrei um imã de geladeira com uma cena do filme (“Vacanze
romane”, na tradução para o italiano). A cena em que a princesa come um sorvete
de casquinha na escadaria da Piazza di Spagna, as escadas que ligam a praça à Igreja
Trinità del Monti – um local de destaque em qualquer roteiro turístico da
cidade - e que eu acabara de visitar.
Quando olhei aquele imã de geladeira, senti que estava
diante de uma das matrizes do imaginário que assimilei a respeito de Roma. Como
todo mundo que se criou na sala escura dos cinemas (ou varou madrugadas
assistindo filmes na TV), percebi que estava pagando o meu tributo ao cinemão
norte-americano. Gostando ou não desses filmes, hollywoodianos, foram eles que primeiro me
informaram a respeito do mundo – e da cidade de Roma inclusive. Depois é que vieram
o cinema de Rosselline, Vittorio de Sicca, e a literatura de Stendhal e
Moravia.
Naquele dia, comprei o imã e gostei de passear pelas
ruas de Roma com o pequeno souvenir no bolso do casaco. Era como se o guri
que não passava semana sem ir ao cinema estivesse revivendo dentro de
mim e cobrando alguma coisa. Aquilo que tantas vezes nas salas escuras – as
ruínas do Coliseu, as águas do Rio Tibre –, agora estava conferindo in loco. De certa forma, feliz da vida,
eu estava pagando o meu tributo aos estúdios cinematográficos norte-americanos.
Um bom assunto para conversar com minha mãe, penso
hoje, se ela ainda estivesse viva. Afinal, filmes, atrizes e atores eram um dos
nossos temas. E quase sempre concluíamos a respeito do quanto conhecemos o
mundo (ou conhecemos inadequadamente) através do cinema e suas representações.
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