quarta-feira, 24 de julho de 2013

A reconstrução

            O assunto é antigo: no final do século XVII, os jesuítas espanhóis atravessaram o rio Uruguai, penetraram no que viria a ser o atual estado do Rio Grande do Sul e reconstruíram suas cidades, isto é, as chamadas reduções.
         A primeira onda de evangelização ocorreu nas décadas de 1620 / 1630 e foi interrompida pelos ataques dos bandeirantes paulistas, que visavam à escravização dos indígenas. Acossados pelas agressões, os jesuítas regressaram ao outro lado do rio.
         A partir de 1682, no entanto, os religiosos voltaram. Fundaram São Borja e depois mais outros seis povos – entre eles São Miguel, com uma imponente igreja. A igreja de São Miguel Arcanjo era comparável a muitas catedrais européias do período e suas ruínas permitem até hoje que percebamos as suas dimensões grandiosas.
Em 1750, Portugal e Espanha negociaram as terras pertencentes a esses Sete Povos Missioneiros e decretaram o fim do projeto dos jesuítas na região. Os padres cruzaram novamente o rio Uruguai, enquanto os índios guarani enfrentavam militarmente as tropas luso-espanholas. Em janeiro de 1756, na batalha de Caiboaté, os índios foram derrotados e calcula-se que tenham perdido mil e quinhentos guerreiros no episódio.
A chamada Região Missioneira do Rio Grande do Sul se constrói a partir dessa derrota. Em 1801, os luso-brasileiros ocupam definitivamente o território e, mais tarde, chegam os imigrantes alemães e italianos. Os nativos ficam como população marginal diante dessa ocupação lusitana, brasileira, alemã e italiana, e perdem o papel que tiveram durante o período das reduções. Porém a história “da civilização criada no Rio Grande do Sul pelos Padres Jesuítas e Índios Guarani” é apossada e recriada pelos novos habitantes lusos, brasileiros e imigrantes.
Provavelmente, é essa uma das melhores histórias da formação da sociedade sul-rio-grandense.
No último final de semana, visitei as ruínas de São Miguel e dessa vez o que me chamou atenção foi a capacidade dos jesuítas de superarem a derrota frente aos bandeirantes e voltarem. Regressarem às terras abandonadas a contragosto e reconstruírem seu projeto missionário. Levantarem escolas, oficinas e um grande templo religioso. Superarem dores, frustrações e, mais tarde, serem derrotados novamente.
Caminhando por cima das pedras que antes erguiam escolas e oficinas, pensei nos homens corajosos que foram capazes de superar a derrota e colocarem em pé seus projetos de grandeza e delírio.
Só pensei nisso: a capacidade que alguns têm de se reerguerem, não esmorecerem e reconstruir.