terça-feira, 27 de abril de 2021

Vicenza - Patrimônio Cultural da Humanidade

             Em fevereiro de 2017, fiz um passeio pelo Vêneto, na Itália.  Frequentava um curso de língua italiana, em Campus Magnolie (na Região de Marche) e, aos finais de semana, a escola proporcionava longas viagens a diferentes recantos da Itália, do norte ao sul.

Dia desses, lembrei justamente do passeio ao norte, ao Vêneto, junto com meus colegas de curso. Não tanto de Veneza, lindíssima, na qual passamos um dia inteiro de sábado de Carnaval (e sobre a qual já escrevi no blog). Lembrei da sequência da viagem.

Após um dia em Veneza, a excursão seguiu para Pádua, onde dormimos num hotel (Casa del Pellegrino) em frente à Basílica de Santo Antônio. No outro dia de manhã, seguimos para Vicenza, Largo di Gardia e Verona.

Recordei da caminhada pelo centro histórico de Vicenza (capital da província de mesmo nome), porque foi dessa região que vieram muitos dos imigrantes que se estabeleceram na chamada Quarta Colônia de Imigração Italiana, no Rio Grande do Sul. Na semana passada, li um livro a respeito de uma dessas famílias e recordei dos meus colegas brasileiros em Campus Magnolie, muitos deles descendentes de camponeses da Província de Vicenza.

Meu avô paterno também veio do Vêneto, mas da Província de Rovigo.

Passeando pelas ruas de Vicenza, ouvindo o guia e professor de italiano parlare a respeito das realizações de Andrea Palladio, no século XVI, criador de obras “fundamentais da arquitetura, as quais colocaram Vicenza nos livros de História da Arte”, recordei a observação de um colega:

– Será que nossos avós sabiam quem era Palladio? Eles reconheciam esses palácios como grandes realizações artísticas?

Meu colega e eu nos olhamos, rimos, e imagino que ele tenha concluído o mesmo que eu: claro que nossos antepassados sequer desconfiavam desse artista e de suas criações. Eram humildes camponeses que viviam em sua grande maioria como arrendatários; alguns, proprietários de pequeníssimos lotes de terra; todos eles sem grandes perspectivas de futuro e pressionados pela rude necessidade de sobrevivência. Quando viviam nas cidades, exerciam trabalhos de pouca qualificação, como no caso do meu avô, que, menino, foi para Veneza ser servente de obra.

Ao ouvir a comentário do meu amigo, naquela manhã de inverno em Vicenza, de súbito me dei conta de que era um neto de camponês, herdeiro das aflições de meus antepassados... Estava na Contrà Podi – o nome da rua onde se localizam significativos palácios de Palladio (o Palazzo Porto Barbano, Thiene e Iseppo da Porta) –, quis fotografar esses prédios famosos, mas fui vencido pelo cenário. Grandeza demais para caber nas lentes da minha singela máquina fotográfica de amador.

Duas colegas brincavam de pousar na porta do Palazzo Thiene e a faceirice delas foi a minha salvação. Registrei-as em rápidos cliques, diante de uma das portentosas portas do palácio (registrando também os tijolos “inteligentemente talhados como pedras”, como apontam os roteiros de viagem) e meu sentimento diante do cenário transfigurou-se.

Eu não era mais o neto de camponês abalado com a tremenda desigualdade social que seus avós viveram. Pelo contrário, era o neto que voltava para usufruir de algum modo a paisagem criada e preservada pela sociedade italiana ao longo dos séculos (ao custo de severo sistema de dominação social, claro, mas que não interessava no momento). Na Piazza del Signori, diante do Palazzo della Ragione (com colunatas projetadas por Palladio), eu era um turista padrão, deslumbrado com a Itália artística, com as realizações arquitetônicas de Andrea Palladio, no caso.

Palazzo della Ragione

Era uma manhã fria de domingo de Carnaval. As famílias traziam as crianças para a rua e algumas brincavam jogando confetes umas nas outras. Uma cena edílica de carnaval infantil diante das colunatas renascentistas de Palladio. Nenhum camponês de tamanco à vista e nem sombra de pobreza ressentida. Apenas, misturado entre os turistas, um dos descendentes dos antigos camponeses, devidamente calçado, agasalhado e integrado ao mundo. Disfarçado, ele fotogravava, feliz da vida, os cenários que engrandecem a História da Arte, como bem destacou a Unesco ao estabelecer Vicenza como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Estátua de Andrea Palladio, memorial ao cidadão
mais famoso de Vicenza.