quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Piazza Navona Underground


O ano de 2019 me proporcionou belas surpresas, alguma delas vividas em museus e sítios arqueológicos. Experiências que até agora procuro assimilar. Uma delas ocorreu na chamada “Piazza Navona Underground”, isto é, nos subterrâneos da famosa praça. Um sítio arqueológico que permite conhecer parte do Estádio de Domiciano, construído no final do século I d.C. 

Entrada do sítio arqueológico.

O visitante desce alguns degraus e pronto: pode circular pelos arcos e paredes da antiga construção romana. Foi ali, num dos arcos desse estádio, que a jovem Inês foi sacrificada por sua adesão ao Cristianismo (a jovem transformada em santa e até hoje homenageada numa grande igreja na praça).

O estádio foi construído no então Campo de Marte (região da cidade que abrigava os exercícios militares no tempo da Roma Republicana) e consta que foi a primeira construção feita especialmente para a prática e exibição atléticas. Tinha uma arena de 200 metros ou mais (ver foto da maquete), o espaço hoje ocupado pela Piazza Navona. 

Maquete do Estádio de Domiciano.
O visitante pode alugar um audiofone em língua portuguesa e se deliciar. Foi o que fiz, tentando imaginar o que foi a Roma Imperial que usufruiu esse espaço (que comportava uma plateia de 15 a 20 mil pessoas) e o que aconteceu com o local ao longo do tempo.

No final do Império o estádio já não era mais utilizado para práticas atléticas e foi ocupado por lojas e habitações. Ao longo da Idade Média e do Renascimento sofreu lenta deterioração e grande parte de suas pedras serviram para as mais diversas construções, como igrejas e palácios da Igreja Católica. Depois as ruínas foram sendo soterradas e sobre elas se ergueram as habitações, palácios e igreja, que constituem o entorno da praça.

Um prazer enorme esse de acompanhar as transformações ao longo do tempo, isto é, as construções da Roma Imperial no subsolo da praça e, subindo à superfície, visitar os prédios do Mundo Moderno, como a Igreja de Sant’Agnese in Agone e o Museu de Roma (antigo palácio de uma família papal, do papa Pio VI). Um prazer que a cidade se esmera em proporcionar.

Ainda dentro do sítio arqueológico dedicado ao “Stadio de Domiziano” encontrei uma exposição temporário curiosa: “L’arte dell’amore non violento nell’antica Roma”. Roma não se caracterizou por práticas sexuais amorosas segundo alguns historiadores (devido ao fato dos casamentos serem realizados por homens maduros com mulheres jovens, essas obrigadas ao contrato matrimonial), mas os curadores da exposição aventam outra hipótese: a de que a Roma Antiga tem muito a ensinar ao mundo contemporâneo em relação às práticas sexuais. Para evidenciar isso, a exposição de reproduções e de algumas peças da arte erótica greco-romana.

Sem dúvida alguma um tema instigante. O Mundo Antigo não tinha os pudores que a Cristandade instaurou em relação à sexualidade e fartou-se em produzir representações de corpos nus para serem exibidos e admirados. A Vênus Calipígia, a deusa “dal bel sedere” (da bunda bonita), é uma comprovação disso. Uma cultura que valoriza as nádegas de mulheres e homens é, se pensarmos do ponto de vista da Civilização Ocidental (marcada pela rígida moralidade cristã) algo admirável.

Vênus Calipígia.
E, nesse sentido, concordo com os curadores da exposição: a Roma Antiga ainda tem muito a nos ensinar. Ao que tudo indica, sua arte erótica tinha ampla circulação, não estava restrita ao submundo, e isso deve ter proporcionado bons resultados. Até na esfera religiosa estava presente esse erotismo, como demonstra a famosa Vênus que, na escultura, dá uma viradinha para apreciar sua “sedere”. Algo muito distante na mitologia cristã, na qual as divindades femininas são todas virginais – ou, se um dia praticaram sexo, se arrependeram (como a lendária Maria Madalena).

"Scena di accopiamento da una caupona [restaurante] pompeiana."