Na semana passada, entrei no sebo do Juarez (quem mora
em Santa Maria conhece, é pequeno, atravancado de livros) e literalmente saltou
em cima de mim um romance ambientado na Roma antiga: “César”, de Allan Massie,
o primeiro volume da série “Os senhores de Roma”. Estava mexendo numa pilha de
livros e o volume veio, escorregou para as minhas mãos. Comecei a ler e lembrei
do meu amigo Luiz Eugênio, falecido dez anos atrás, pois história romana era um
dos nossos assuntos.
Um dos corredores do sebo, com o dono ao fundo, |
Em 1991, nós dois chegamos a Santa Maria, para trabalhar
no Curso de História, da UFSM; ele vindo de Bauru e eu, de Porto Alegre. Tínhamos
feito o mesmo concurso, em 89, fomos aprovados e nos falaram que seríamos
contratados no ano seguinte. No entanto, devido às medidas bombásticas de
Collor de Melo, no começo do seu curto governo, a vida no serviço público foi
embaralhada e nossa admissão só ocorreu um ano e meio depois.
Uma mudança total nas nossas vidas, quando ingressamos
na universidade federal. Para mim, que trabalhara treze anos no Magistério
Estadual, um desafio e uma nova aprendizagem.
Em 1993, uma semana antes de iniciarem as aulas do
primeiro semestre, o diretor do curso me chamou e disse que eu iria lecionar
História Antiga. O diretor sabia que eu não tinha conhecimento aprofundado de
Antiguidade e que aquilo representava um trabalho danado para mim. Mas a intenção
era essa mesma: fazer eu penar. Novato na universidade, eu assistia a uma briga
entre o diretor e o vice (o meu amigo Eugênio) e achara que podia ficar numa
posição de neutralidade... Doce ilusão! Não me alinhei ao diretor, ele me puniu
como pode.
E lá fui eu lecionar Antiguidade – entre outras
coisas, a crise da República Romana, os triunviratos, a disputa entre Júlio
César e Pompeu, a conspiração dos aristocratas temerosos de perderem o poder com
o estabelecimento de um governo monárquico... César é figura emblemática desse
período (de guerra civil, inclusive), pois foi o general que colocou em xeque as
instituições republicanas e bem poderia ter dado o golpe final na República...
Haja habilidade para dar conta disso para a alunada, isto é, fazê-los entender
essa confusão toda.
Pois em algum momento daquele ano de 93, jantando na
cozinha do apartamento do Luiz Eugênio, examinamos livros sobre o Mundo Antigo
e foi isso que recordei no sebo, quando comecei a ler as primeiras páginas do
livro. Esta série, “Os senhores de Roma”, era novidade no mercado de língua
inglesa na época, ainda não fora editada no Brasil... mas memória tem dessas coisas: embaralha os tempos. E (na minha lembrança) foi como se os
romances de Allan Massie já estivessem ali, sobre a mesa de refeições, naquele início dos anos 90, anunciando os desafios que me esperavam.
No sebo do Juarez, lendo as primeiras páginas do
romance – a descrição da travessia do Rubicão, pelas legiões de César, narrada
por Décimo Bruto, general e amigo de César, aquele mesmo que poucos anos depois
será um dos seus assassinos –, voltei ao duro embate com o Mundo Antigo
(lecionar essa disciplina me fez suar frio) e às alegrias que o desafio
proporcionou. Sim, pois não foi apenas pedreira enfrentar a disciplina de
História Antiga. Foi também uma das grandes satisfações que tive nos vinte e
cinco anos que passei na universidade.