quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Tempos de peste

           

            Meu avô materno tinha 21 anos quando a gripe espanhola chegou à Pelotas, a cidade onde morava. Conversamos a respeito do assunto quando eu era estudante de História (o assunto era citado numa das leituras obrigatórias do curso) e ele apenas contava que foi um susto danado, que as pessoas ficaram com medo e muitas se trancaram em casa. No pátio da sua casa havia um limoeiros, ele acrescentava, rindo, e que isso ajudou muito. Mas, quando descobriu que a limonada ficava melhor com cachaça e açúcar, foi a salvação da lavoura.

Mais do que isso ele não falava e a tônica da conversa passava a ser as “propriedades medicinais da caipirinha”. Uma brincadeira que a mãe referendava (limão, cachaça e mel – ela dizia – são os melhores remédios para a gripe), mas não sei se, de fato, meu avô, naqueles meses de peste, tomou conhecimento da receita preciosa. Minha memória fantasiosa, porém, insiste em afirmar que é real e vejo o vô, a mãe e eu falando e rindo a respeito do assunto, no apartamento que então morávamos, em Porto Alegre, na década de 1970.

O vírus da gripe espanhola chegou a Pelotas a partir de Rio Grande, depois que ali aportou o navio Itajubá, em 9 de outubro de 1918, com 38 tripulantes doentes. Dias depois já havia casos em Pelotas e, no mês de janeiro, os jornais pelotenses deixaram de noticiar a doença. O Carnaval, em fevereiro, aconteceu normalmente e, segundo a lenda, com redobrado entusiasmo.

Registro isso porque vivemos um outro tempo de peste – essa epidemia do coronavírus que insiste em não arrefecer – e volta e meia recordo meu avô falando a respeito da gripe espanhola... Suscintamente, é verdade. Eu nunca soube de alguém próximo a ele ter estado entre às vítimas fatais da doença (foram 4 mil no estado do Rio Grande do Sul), mas tenho a impressão de que era um assunto que ele não gostava de lembrar. Um susto danado, como ele falava.

Quando eu tiver a sua idade (76 ou 77 anos, quando falávamos da doença pela primeira vez), o que eu responderei se alguém me perguntar o que foi a peste do Covid-19? Talvez eu diga que o pânico foi geral e eu, na condição de aposentado, não tive dificuldade em acatar as regras de confinamento e distanciamento sociais, passando a usar máscara  e álcool gel regularmente.

À direita, meus primeiros frascos de álcool gel.

Mas isso não era a regra, acrescentarei. No Facebook, acompanhava um antigo colega de universidade declarar que não usaria máscara e que percebia, nas determinações do prefeito da cidade a respeito da sua obrigatoriedade, um ar de comunismo chinês cerceando a liberdade individual. Um posicionamento que não era raro e com o qual cedo me habituei a conviver. Tempos de peste e de alguma insanidade também. 

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