Meu avô materno tinha 21 anos quando a gripe espanhola chegou à Pelotas, a cidade onde morava. Conversamos a respeito do assunto quando eu era estudante de História (o assunto era citado numa das leituras obrigatórias do curso) e ele apenas contava que foi um susto danado, que as pessoas ficaram com medo e muitas se trancaram em casa. No pátio da sua casa havia um limoeiros, ele acrescentava, rindo, e que isso ajudou muito. Mas, quando descobriu que a limonada ficava melhor com cachaça e açúcar, foi a salvação da lavoura.
Mais do que isso ele não falava e a tônica da conversa
passava a ser as “propriedades medicinais da caipirinha”. Uma brincadeira que a
mãe referendava (limão, cachaça e mel – ela dizia – são os melhores remédios
para a gripe), mas não sei se, de fato, meu avô, naqueles meses de peste, tomou
conhecimento da receita preciosa. Minha memória fantasiosa, porém, insiste em afirmar
que é real e vejo o vô, a mãe e eu falando e rindo a respeito do assunto, no
apartamento que então morávamos, em Porto Alegre, na década de 1970.
O vírus da gripe espanhola chegou a Pelotas a partir de
Rio Grande, depois que ali aportou o navio Itajubá, em 9 de outubro de 1918, com
38 tripulantes doentes. Dias depois já havia casos em Pelotas e, no mês de janeiro,
os jornais pelotenses deixaram de noticiar a doença. O Carnaval, em fevereiro,
aconteceu normalmente e, segundo a lenda, com redobrado entusiasmo.
Registro isso porque vivemos um outro tempo de peste –
essa epidemia do coronavírus que insiste em não arrefecer – e volta e meia
recordo meu avô falando a respeito da gripe espanhola... Suscintamente, é
verdade. Eu nunca soube de alguém próximo a ele ter estado entre às vítimas
fatais da doença (foram 4 mil no estado do Rio Grande do Sul), mas tenho a
impressão de que era um assunto que ele não gostava de lembrar. Um susto
danado, como ele falava.
Quando eu tiver a sua idade (76 ou 77 anos, quando
falávamos da doença pela primeira vez), o que eu responderei se alguém me
perguntar o que foi a peste do Covid-19? Talvez eu diga que o pânico foi geral
e eu, na condição de aposentado, não tive dificuldade em acatar as regras de
confinamento e distanciamento sociais, passando a usar máscara e álcool gel regularmente.
À direita, meus primeiros frascos de álcool gel. |
Mas isso não era a regra, acrescentarei. No Facebook, acompanhava um antigo colega de universidade declarar que não usaria máscara e que percebia, nas determinações do prefeito da cidade a respeito da sua obrigatoriedade, um ar de comunismo chinês cerceando a liberdade individual. Um posicionamento que não era raro e com o qual cedo me habituei a conviver. Tempos de peste e de alguma insanidade também.
Nenhum comentário:
Postar um comentário