quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Centenário de Paulo Freire (2)

Muita pretensão escrever a respeito de Paulo Freire. Mas, como afirmei em crônica anterior, fui leitor entusiástico de Pedagogia do oprimido, nos anos 70 (e até nos 80), e me sinto instigado a isso.

Em 2015, no entanto, percebi que as coisas tinham mudado radicalmente. Numa das manifestações da direita contra o governo Dilma, me surpreendi com uma faixa com os seguintes dizeres: “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire.” Em torno da faixa, senhoras bem tratadas, cabelos penteados, semelhantes a outras tantas que, nas avenidas das principais cidades brasileiras, vociferavam contra a esquerda petista, curiosamente denominada de “comunista”.

Manifestação da nova direita, em março de 2015.

A princípio pensei que os manifestantes desconheciam o ideário freireano de educação dialógica (o respeito em relação aos saberes do outro, a aposta nas capacidades de emancipação dos seres humanos, especialmente dos oprimidos) e demorei a entender que se tratava da explicitação nua e crua da luta de classes. Ora respeito aos saberes das classes populares! Ora emancipação dos setores subalternos da sociedade! Isto coloca em risco a dominação burguesa e, no entendimento dessa nova direita, até do sistema capitalista.

Freire, nos anos 90 se distanciou do ideário marxista de superação do capitalismo pela via revolucionária e deixou aflorar ainda mais o seu humanismo cristão. O humanismo que marcou o seu pensamento desde a origem, anterior à Pedagogia do oprimido, quando estava engajado no nacional-desenvolvimentismo do período anterior ao Golpe de 64.

Paulo Freire foi um nordestino cristão que se sensibilizou com as condições precárias das classes populares da sua região (na década de 1950) e voltou o seu trabalho pedagógico no sentido de melhorá-las. Sua obra basilar, Pedagogia do oprimido, foi escrita na segunda metade da década de 60, impregnada pelo ideário marxista da superação do capitalismo pela via da luta de classes, numa época em que muitos católicos se integravam ao campo revolucionário. O padre Camilo Torres, morto na guerrilha em 1966, entre eles. Daí o fato de Mao Tsé-Tung e Che Guevara serem muito citados no livro.

Posteriormente (explicitamente nos anos 90), Freire rompe com a luta revolucionária, mas não com os interesses das classes populares, a articulação dos saberes populares com os eruditos, a emancipação dos setores subalternos da sociedade e a transformação do capitalismo. Mas uma luta conduzida nos marcos da democracia, apostando no seu aprofundamento, na maior participação das classes populares no jogo político. Um entendimento da educação como ferramenta para essa libertação cultural, emancipação e transformação social. Uma ênfase otimista em relação às possibilidades do diálogo com o outro, a não imposição de conhecimentos (jamais a doutrinação, seja marxista ou outra) e a construção de novos saberes. Um humanismo social.

          Para a nova direita, no entanto, essas considerações na certa são irrelevantes. Escorada na velha sabedoria da classe dominante (de saber identificar e derrotar seus inimigos de classe), o ideário freireano tem a possibilidade de fortalecer o campo popular e isso basta para combatê-lo. Ora dialogar com os freireanos! Uma surpresa para aqueles (como eu) que achavam que as posições humanistas de Paulo Freire fossem uma unanimidade. 

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