Foi um ano de aflição e tristeza e Sabrina não suportou viver dessa maneira. Terminara um casamento de longos anos sem saber o motivo do companheiro fazer as malas e ir morar no outro lado da cidade e resolveu aceitar a “proposta irrecusável” de um amigo com quem conversara nos últimos meses. Amigo de conversas por telefone na madrugada que a ajudaram a vencer a solidão e a insônia.
Enquanto via o antigo companheiro reorganizar sua
vida com outra mulher, sentiu-se incapaz de qualquer outra coisa além de
cumprir os horários de trabalho na escola, vir para o seu apartamento, ver TV, relaxar
e dormir (quando conseguia dormir). Sem filhos, sem gato nem cachorro, foi um
amigo viúvo que ocupou as suas horas e a distraiu. Num final de tarde, ele a pegou
na saída das aulas, a levou para o seu apartamento e, logo depois que ela entrou na sua sala, disse:
– Minha empregada preparou um camarão como tu
gostas. – Apontou a mesa posta e foi abrir um espumante da Campanha.
Com a taça na mão, bebericando deliciada – era um
vinho produzido numa vinícola do pampa, numa paisagem que fora a mesma da sua
infância –, sentiu o amigo se transformar num homem encantador:
– Se quiseres, terás uma vida de princesa. Tu vens
morar aqui, tem lugar para montares um escritório e seguires fazendo o que
gostas. Se preferires continuar lecionando, continua. Se resolveres parar, não
tem problema, te sustento.
Ela tomou mais de uma taça de espumante (não tinha
o costume de beber) e quando se acordou no outro dia, na cama do amigo, soube
que ganhara “a vida que merecia”. Andou pelo apartamento de 180 metros
quadrados (como ele acentuara diversas vezes), pisando o chão com os pés
descalços, vestindo uma camisa do namorado, e decidiu que iria “viver com
Henrique e com tudo que ele proporciona”.
Seis meses depois, no entanto, se pegou repetindo
para a manicure uma conversa antiga, da qual não conseguia se desprender:
– Os homens não nos dão o devido valor. Eles não
sabem o que é isso: valorizar uma mulher. São machistas, nunca saíram do mundo
campeiro onde foram criados e têm enorme dificuldade de nos verem.
A manicure levantou o rosto, parou de lhe fazer as
unhas dos pés, e perguntou se o Henrique não estava cumprindo o prometido. Ela havia
acompanhando o casamento da cliente desde o início e sabia tudo a respeito da “vida
de princesa”.
A mulher olhou a manicure, olhou o ambiente ao
redor – um salão com várias mulheres, todas falando sem parar – e disse que não
ia deixar ser dominada.
– Ele está habituado a determinar tudo, no escritório,
na fazenda, mas ele que não pense que vai ser assim comigo.
– Mas ele já está mandando na tua vida?
Sabrina mirou a manicure e disse que não, ainda não.
– Mas homem é homem – acrescentou.
A outra riu e comentou que a nova coleção de verão está
privilegiando padronagens de cores fortes e que ela deveria ver o que chegou na
loja junto ao salão.
Sabrina voltou para casa, encontrou Henrique
esperando-a ansioso (com uma espumante no refrigerador, ele explicou) e logo a
abraçando e beijando atrás da orelha.
– Não, hoje não – ela falou. – Estou com enxaqueca.
Vou tomar um banho e me deitar. – E saiu apressada para o quarto, jogando bolsa
e pasta no sofá, e logo depois se dirigindo ao banheiro.
“Desde a separação não tenho sossego”, Sabrina diz
para si mesmo, sentindo sua vida de princesa escorrer pelo corpo junto com o
sabonete, a espuma no chão do box desenhando uma proposta que não soube recusar:
uma vida organizada, sem coisa alguma com a qual se preocupar. Escuta Henrique
abrir a porta do banheiro, sentar-se sobre a tampa fechada da privada e perguntar como
foi o seu dia, o que houve, e dizer que ele tem a solução para ela: