quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Proposta irrecusável

            Foi um ano de aflição e tristeza e Sabrina não suportou viver dessa maneira. Terminara um casamento de longos anos sem saber o motivo do companheiro fazer as malas e ir morar no outro lado da cidade e resolveu aceitar a “proposta irrecusável” de um amigo com quem conversara nos últimos meses. Amigo de conversas por telefone na madrugada que a ajudaram a vencer a solidão e a insônia.

Enquanto via o antigo companheiro reorganizar sua vida com outra mulher, sentiu-se incapaz de qualquer outra coisa além de cumprir os horários de trabalho na escola, vir para o seu apartamento, ver TV, relaxar e dormir (quando conseguia dormir). Sem filhos, sem gato nem cachorro, foi um amigo viúvo que ocupou as suas horas e a distraiu. Num final de tarde, ele a pegou na saída das aulas, a levou para o seu apartamento e, logo depois que ela entrou na sua sala, disse:

– Minha empregada preparou um camarão como tu gostas. – Apontou a mesa posta e foi abrir um espumante da Campanha.

Com a taça na mão, bebericando deliciada – era um vinho produzido numa vinícola do pampa, numa paisagem que fora a mesma da sua infância –, sentiu o amigo se transformar num homem encantador:

– Se quiseres, terás uma vida de princesa. Tu vens morar aqui, tem lugar para montares um escritório e seguires fazendo o que gostas. Se preferires continuar lecionando, continua. Se resolveres parar, não tem problema, te sustento.

Ela tomou mais de uma taça de espumante (não tinha o costume de beber) e quando se acordou no outro dia, na cama do amigo, soube que ganhara “a vida que merecia”. Andou pelo apartamento de 180 metros quadrados (como ele acentuara diversas vezes), pisando o chão com os pés descalços, vestindo uma camisa do namorado, e decidiu que iria “viver com Henrique e com tudo que ele proporciona”.

Seis meses depois, no entanto, se pegou repetindo para a manicure uma conversa antiga, da qual não conseguia se desprender:

– Os homens não nos dão o devido valor. Eles não sabem o que é isso: valorizar uma mulher. São machistas, nunca saíram do mundo campeiro onde foram criados e têm enorme dificuldade de nos verem.

A manicure levantou o rosto, parou de lhe fazer as unhas dos pés, e perguntou se o Henrique não estava cumprindo o prometido. Ela havia acompanhando o casamento da cliente desde o início e sabia tudo a respeito da “vida de princesa”.

A mulher olhou a manicure, olhou o ambiente ao redor – um salão com várias mulheres, todas falando sem parar – e disse que não ia deixar ser dominada.

– Ele está habituado a determinar tudo, no escritório, na fazenda, mas ele que não pense que vai ser assim comigo.

– Mas ele já está mandando na tua vida?

Sabrina mirou a manicure e disse que não, ainda não.

– Mas homem é homem – acrescentou.

A outra riu e comentou que a nova coleção de verão está privilegiando padronagens de cores fortes e que ela deveria ver o que chegou na loja junto ao salão.

Sabrina voltou para casa, encontrou Henrique esperando-a ansioso (com uma espumante no refrigerador, ele explicou) e logo a abraçando e beijando atrás da orelha.

– Não, hoje não – ela falou. – Estou com enxaqueca. Vou tomar um banho e me deitar. – E saiu apressada para o quarto, jogando bolsa e pasta no sofá, e logo depois se dirigindo ao banheiro.

“Desde a separação não tenho sossego”, Sabrina diz para si mesmo, sentindo sua vida de princesa escorrer pelo corpo junto com o sabonete, a espuma no chão do box desenhando uma proposta que não soube recusar: uma vida organizada, sem coisa alguma com a qual se preocupar. Escuta Henrique abrir a porta do banheiro, sentar-se sobre a tampa fechada da privada e perguntar como foi o seu dia, o que houve, e dizer que ele tem a solução para ela:

        – Conheço um chá muito bom. Aprendi com a minha vó. Ela tinha dores de cabeça terríveis e é tira-e-queda.

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