Uma amiga me recomendou o filme “Uma garota de muita sorte”, atualmente no catálogo da Netflix, e sua indicação não foi devido ao tema central do filme (o estupro) e, sim, ao papel da mãe na trama. Uma personagem secundária, minha amiga escreveu, dizendo que a figura a fez lembrar conversas que tivemos a respeito de “Mamãezinha querida”, um filme que nos impactou no início da década de 1980 e nos levou a pensar (no meu caso, a descobrir) o papel das mães na formação das filhas.
Adianto que “Mamãezinha querida” é a respeito de Joan
Crawford (a memorável atriz de “Johnny Guitar”, de 1954), baseado num livro de Christina
Crawford, uma das filhas. Posteriormente surgiram críticas à visão de Christina,
feitas por amigos e os outros filhos, apontando exageros e uma dose de vingança
da filha em relação à mãe. A cena de surra com um arame de cabine, no entanto,
é antológica no quesito crueldade materna.
Seja como for, a adequação ou não da versão cinematográfica
à verdade da atriz não é o assunto dessa crônica. Nem tenho conhecimento para
tanto. O assunto é simplesmente as mães e o que elas podem fazer/causar às filhas,
quando não conseguem ser “mães nutrientes e acolhedoras” – uma conversa
que minha amiga e eu tínhamos no início da década de 1980, quando as relações entre
pais e filhos eram “o feijão nosso de cada dia”, intrigados que estávamos com a
dinâmica das famílias de nossos alunos e também as nossas.
Em “Uma garota de muita sorte” a mãe não é tão tirânica
quanto em “Mamãezinha...”, mas igualmente cumpre o triste roteiro de não
acolher a filha e, dessa maneira, colaborar para que ela se sinta "uma mulher ferida”, antes mesmo do episódio central
da narrativa (o estupro coletivo da filha, numa farra estudantil, inclusive
pelo namoradinho). De certa forma “a garota de sorte” do título (uma ironia) já
entra na adolescência (na fase do despertar da sexualidade) desprotegida, e o
filme é claríssimo nisso ao expor o tipo de relação da mãe com a filha (sem
surras, mas com muito rigor). Uma mãe que conduz a filha na direção da ascensão
social e é severa quanto a qualquer deslize que possa comprometer esse projeto.
No início da década de 1980, minha amiga e eu
comentávamos trajetórias femininas menos dramáticas do que as vividas pelos
filmes citados, mas o cinema era a nossa chave para ingressarmos nesse mundo complicadíssimo
das relações entre mães e filhas (sempre com acréscimo de pais ausentes, como
no caso das obras citadas). O emaranhado mundo das chamadas “mulheres feridas”
que um dia eu pensei entender e a respeito do qual essa amiga avisou: “Tu não
vais entender, homem nenhum compreende”.
Realmente eu nunca entendi, mas nem por isso deixei
de estar atento ao assunto. Assisti ao filme indicado e mais uma vez me deparei
com esse tema tão delicado e brutal ao mesmo tempo.
- “Uma
garota de muita sorte”, dir. de Mike Barke, c/ Mila Kunis no papel principal.
EUA, 2022, 115 min.
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