Copacabana fascina e provavelmente me engana. Nem sei
que Copacabana eu conheço. Passei alguns dias hospedado num hotel desse bairro,
na última semana, e constatei isso mais uma vez. É um espaço privilegiado, que
provoca e seduz. Cada vez que visito o lugar tenho uma impressão diferente. Conheci
Copacabana primeiramente através da literatura e do cinema, e é com essas
informações que ainda vejo o lugar.
Assim, antes de viajar, procurei na estante de casa
alguma coisa do que João Antônio escreveu sobre o bairro – “Ô Copacabana”
(1978), por exemplo – e não encontrei. Mas achei um livro de Rubem Mauro
Machado com três histórias policiais ambientadas no Rio de Janeiro, que li ao
longo da viagem. Em uma dessas histórias – “Assassinato em Copacabana” –, um policial frequenta um boteco na Avenida Prado Júnior (Boteco
do Aristeu) e ali encontra o escritor João Antônio “de bermudas, camiseta e chinelo de
dedos, um tanto barrigudo, escondido atrás de um bigode mexicano”. O escritor
convida o policial para uma partida de sinuca e ele recusa. João Antônio era
bom jogador e o policial não quis ser encarar.
Caminhando pelas ruas de Copacabana, eram esses
autores e suas histórias que conduziam o meu olhar. João Antônio deixou São
Paulo para viver no entorno da praça Serzedelo Corrêa e produziu textos
excelentes sobre a população do bairro, especialmente os tipos marginais. Em
1996 foi encontrado morto em seu apartamento. Tinha 59 anos e tornara-se um
homem amargurado. Sua visão a respeito do bairro não é das mais agradáveis –
mas nem por isso menos fascinante.
Mas nem tudo é literatura e muito menos literatura
sobre os excluídos. Num fim de tarde, minha companheira me convidou para irmos
ao bar do Copacabana Palace e lá fui eu conhecer esse território da elite.
Seguramente um espaço desconhecido pelos personagens de João Antônio, mas cenário,
isso sim, de algumas crônicas e memórias de Danuza Leão, cronista do mundo
elegante.
Então, como se fosse um bacana, me instalei com minha
mulher numa mesa próxima a piscina do famoso hotel. Pedi vinho branco e ela me
falou sobre algumas figuras que frequentam o local, artistas globais e
socialites que conheço de ver na TV ou de nome. O garçom que nos atendeu tinha sotaque
castelhano e perguntei de qual cidade ele vinha. “Salta”, ele disse. Minha
companheira comentou a respeito das múmias de crianças incas que estão expostas
no museu de Salta e ele contou que estudou arqueologia. Foi aluno dos pesquisadores
que descobriram as meninas incas, sacrificadas há 500 anos. As "múmias" mais bem
preservadas do planeta.
Na véspera, na filial da Confeitaria Colombo (dentro
do Forte de Copacabana), a garçonete que nos atendeu contou que era moradora da
Rocinha. Falou com tranquilidade a respeito da vida que leva nesse bairro, criando um filho pequeno, e disse que às vezes
não podia sair de casa por causa dos tiroteios. Mas não falou isso de modo dramático,
ao contrário.
Copacabana me parece que é isso: um espaço que se abre
em várias possibilidades, todas elas devidamente tematizadas por boa literatura
e bom cinema. O território dos marginais de João Antônio e o da elite perfumada
que circula no Copacabana Palace. E seus habitantes, vindos dos mais variados
recantos – de Salta, na Argentina, ou da Rocinha –, ampliam e reinventam as
histórias do bairro.
Nem sei que Copacabana conheço. Leio o que os
literatos escrevem, o que os cineastas filmam (revi “Copacabana me engana”,
dias atrás), e vou criando um universo a partir disso. A literatura e o cinema
são meus roteiros para esse bairro fascinante. E, sentado num banco da Avenida
Atlântica, olhando o mar, observando o movimento dos banhistas num início de
manhã, constato que o local bem merece a mitologia que se criou a seu respeito.
Uma mitologia para todos os gostos.
Obs.: O livro de Rubem Mauro Machado citado acima é O executante (Rio de Janeiro: Record, 2000) e o filme – Copacabana me engana (1968) – foi dirigido por Antônio Carlos Fontoura, com Odete Lara e música-tema de Caetano Veloso, “Baby”, interpretada por Gal Costa.