– Uma taça
relaxa, tu disseste, me olhando de um modo enviesado e engraçado que me fez
imaginar coisas – expliquei. – Afinal tu nunca gostaste de bebida alcoólica e pensei
num homem experiente te convencendo a beber uma ou duas taças para relaxar.
Trabalhei
com minha amiga anos atrás e acredito que ela esteja beirando os cinquenta anos.
Ela sempre fez mistério em relação à idade e imagino, devido aos filmes que assistiu
no cinema, que ande nessa faixa etária. Digo isso a ela - depois de comentar que ela anda sempre muito vistosa, atraindo olhares por onde passa - e recebo um
sorriso de volta. É uma das suas habilidades esses cuidados: o da pele, da silhueta e das
roupas, investir no visual e embaralhar as impressões que os outros tenham
dela. Habilidade plenamente exitosa.
Minha amiga
terminou um casamento sem filhos e aparentemente ficou sozinha desde então. Cultivou
uma narrativa de agressões verbais e humilhações sofridas no convívio com o
ex-marido – um relato exagerado, no meu entendimento, mas vá saber o que vive uma
mulher com o seu parceiro. Eu acompanhei a vida dos dois, conheci o seu marido razoavelmente,
e acho minhas dúvidas pertinentes (mas não ponho a mão no fogo). Sei que ele
leu Simone de Beauvoir, defendia as pautas feministas e um dia até achou que
era capaz de entender as mulheres. Uma fantasia muito comum entre os homens do
meu círculo social: achar que a leitura d’O segundo sexo nos habilitou a
um entendimento e aproximação do universo feminino.
– Vocês
nunca conseguiram se desprender do machismo dominante – ouvi minha amiga
afirmar certa vez e desconfio, em parte (mas só em parte), que ela tem razão.
Seja como
for, alguma intuição eu tenho em relação às mulheres, isto é, no caso da minha
amiga bispei e acertei que um homem andava frequentando o seu apartamento. Ela confirmou.
E acrescentou que se reinventou após a separação, que não é mais aquela mulher
que se deixava calar e que, nos novos relacionamentos que tem vivido, está
aproveitando muito mais.
– Novos? –
eu pergunto surpreso e ela apenas diz que eles são melhores que o “falecido”.
Pergunto também
se alguma vez ela se calou, se alguma vez ela deixou de fazer o que queria, e
ela responde que “não é bem isso”.
– Eu sou
outra mulher, compreende?
Não compreendo.
Mas essa crônica é uma homenagem a essa mulher que se sente mais dona de si própria,
da sua vida e do seu corpo, e assim se coloca no mundo, com maior autonomia e
capacidade de conquistar o próprio prazer (um prazer que o mundo
lhe negou, segundo ela própria).
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