segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Uma nova mulher

 

Uma amiga me perguntou porque dei a ela, dois meses atrás, uma xícara com o desenho de um bigode. Eu disse que não sabia direito, mas que intuíra, na época, que ela andava com namorado novo. Contei, então, que eu estava tomando café numa confeitaria, olhei as prateleiras com diversas xícaras, doces e chocolates, e lembrei dela. Seu aniversário era por aqueles dias e eu escolhi a xícara com bigodes e a enchi de bombons. Uma presente simples, uma lembrança, que deixei com a sua secretária. Eu a havia encontrado semanas antes, ela falara sem parar e dera algumas pistas quanto a “alguém andar na área”, a principal delas a de que aderira ao consumo de vinhos.

– Uma taça relaxa, tu disseste, me olhando de um modo enviesado e engraçado que me fez imaginar coisas – expliquei. – Afinal tu nunca gostaste de bebida alcoólica e pensei num homem experiente te convencendo a beber uma ou duas taças para relaxar.

Trabalhei com minha amiga anos atrás e acredito que ela esteja beirando os cinquenta anos. Ela sempre fez mistério em relação à idade e imagino, devido aos filmes que assistiu no cinema, que ande nessa faixa etária. Digo isso a ela - depois de comentar que ela anda sempre muito vistosa, atraindo olhares por onde passa - e recebo um sorriso de volta. É uma das suas habilidades esses cuidados: o da pele, da silhueta e das roupas, investir no visual e embaralhar as impressões que os outros tenham dela. Habilidade plenamente exitosa.

Minha amiga terminou um casamento sem filhos e aparentemente ficou sozinha desde então. Cultivou uma narrativa de agressões verbais e humilhações sofridas no convívio com o ex-marido – um relato exagerado, no meu entendimento, mas vá saber o que vive uma mulher com o seu parceiro. Eu acompanhei a vida dos dois, conheci o seu marido razoavelmente, e acho minhas dúvidas pertinentes (mas não ponho a mão no fogo). Sei que ele leu Simone de Beauvoir, defendia as pautas feministas e um dia até achou que era capaz de entender as mulheres. Uma fantasia muito comum entre os homens do meu círculo social: achar que a leitura d’O segundo sexo nos habilitou a um entendimento e aproximação do universo feminino.

– Vocês nunca conseguiram se desprender do machismo dominante – ouvi minha amiga afirmar certa vez e desconfio, em parte (mas só em parte), que ela tem razão.

Seja como for, alguma intuição eu tenho em relação às mulheres, isto é, no caso da minha amiga bispei e acertei que um homem andava frequentando o seu apartamento. Ela confirmou. E acrescentou que se reinventou após a separação, que não é mais aquela mulher que se deixava calar e que, nos novos relacionamentos que tem vivido, está aproveitando muito mais.

– Novos? – eu pergunto surpreso e ela apenas diz que eles são melhores que o “falecido”.

Pergunto também se alguma vez ela se calou, se alguma vez ela deixou de fazer o que queria, e ela responde que “não é bem isso”.

– Eu sou outra mulher, compreende?

Não compreendo. Mas essa crônica é uma homenagem a essa mulher que se sente mais dona de si própria, da sua vida e do seu corpo, e assim se coloca no mundo, com maior autonomia e capacidade de conquistar o próprio prazer (um prazer que entende que o mundo lhe negou).

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