sexta-feira, 24 de setembro de 2021

No sebo, os senhores de Roma

 

Na semana passada, entrei no sebo do Juarez (quem mora em Santa Maria conhece, é pequeno, atravancado de livros) e literalmente saltou em cima de mim um romance ambientado na Roma antiga: “César”, de Allan Massie, o primeiro volume da série “Os senhores de Roma”. Estava mexendo numa pilha de livros e o volume veio, escorregou para as minhas mãos. Comecei a ler e lembrei do meu amigo Luiz Eugênio, falecido dez anos atrás, pois história romana era um dos nossos assuntos.

Um dos corredores do sebo, com o dono ao fundo,

Em 1991, nós dois chegamos a Santa Maria, para trabalhar no Curso de História, da UFSM; ele vindo de Bauru e eu, de Porto Alegre. Tínhamos feito o mesmo concurso, em 89, fomos aprovados e nos falaram que seríamos contratados no ano seguinte. No entanto, devido às medidas bombásticas de Collor de Melo, no começo do seu curto governo, a vida no serviço público foi embaralhada e nossa admissão só ocorreu um ano e meio depois.

Uma mudança total nas nossas vidas, quando ingressamos na universidade federal. Para mim, que trabalhara treze anos no Magistério Estadual, um desafio e uma nova aprendizagem.

Em 1993, uma semana antes de iniciarem as aulas do primeiro semestre, o diretor do curso me chamou e disse que eu iria lecionar História Antiga. O diretor sabia que eu não tinha conhecimento aprofundado de Antiguidade e que aquilo representava um trabalho danado para mim. Mas a intenção era essa mesma: fazer eu penar. Novato na universidade, eu assistia a uma briga entre o diretor e o vice (o meu amigo Eugênio) e achara que podia ficar numa posição de neutralidade... Doce ilusão! Não me alinhei ao diretor, ele me puniu como pode.

E lá fui eu lecionar Antiguidade – entre outras coisas, a crise da República Romana, os triunviratos, a disputa entre Júlio César e Pompeu, a conspiração dos aristocratas temerosos de perderem o poder com o estabelecimento de um governo monárquico... César é figura emblemática desse período (de guerra civil, inclusive), pois foi o general que colocou em xeque as instituições republicanas e bem poderia ter dado o golpe final na República... Haja habilidade para dar conta disso para a alunada, isto é, fazê-los entender essa confusão toda.

Pois em algum momento daquele ano de 93, jantando na cozinha do apartamento do Luiz Eugênio, examinamos livros sobre o Mundo Antigo e foi isso que recordei no sebo, quando comecei a ler as primeiras páginas do livro. Esta série, “Os senhores de Roma”, era novidade no mercado de língua inglesa na época, ainda não fora editada no Brasil... mas memória tem dessas coisas: embaralha os tempos. E (na minha lembrança) foi como se os romances de Allan Massie já estivessem ali, sobre a mesa de refeições, naquele início dos anos 90, anunciando os desafios que me esperavam.

No sebo do Juarez, lendo as primeiras páginas do romance – a descrição da travessia do Rubicão, pelas legiões de César, narrada por Décimo Bruto, general e amigo de César, aquele mesmo que poucos anos depois será um dos seus assassinos –, voltei ao duro embate com o Mundo Antigo (lecionar essa disciplina me fez suar frio) e às alegrias que o desafio proporcionou. Sim, pois não foi apenas pedreira enfrentar a disciplina de História Antiga. Foi também uma das grandes satisfações que tive nos vinte e cinco anos que passei na universidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário