Sexta-feira passada fui à abertura da Feira do Livro
de Santa Maria, realizada no Theatro Treze de Maio. Meu primeiro evento em
lugar fechado, desde o início da pandemia. A plateia era restrita, o uso da máscara era obrigatório e nem todos os lugares estavam disponíveis. Alguns assentos tinham uma
fita por cima, outros estavam liberados, determinando que as pessoas se sentassem com certo distanciamento. “Que
tempos!” – foi o que pensei, olhando a pequeno número de espectadores.
Meus raros leitores dirão que isso não é assunto para
crônica e concordo com eles. Nada de relevante, tendo em conta os milhões de brasileiros que se
expuseram a situações de risco de contaminação desde o início da atual peste. A
maioria porque não tinha como evitar; outros porque seguiram a orientação do
Inominável e consideraram (talvez considerem ainda) a doença como “uma
gripezinha”. Apenas uma parcela reduzida da população pode se dar ao luxo do
isolamento social completo. Eu sou um desses privilegiados e faço o registro,
lembrando de meu avô materno, que viveu a gripe espanhola em Pelotas. Ele talvez
compreendesse a necessidade de deixar isso escrito.
A Feira do Livro teve (tem, pois ainda está
acontecendo) número reduzido de expositores na praça e, antes de entrar no
teatro, fiz o roteiro de praxe. Passei pelas barracas, olhei as novidades,
bisbilhotei nos balaios (encontrei uma peça de Sêneca) e conversei com amigos. Mas
devo dizer que não sentia o desembaraço e alegria de outras vezes. Como eu, alguns dos
meus amigos estavam também se exercitando. Eram professores que, desde o início
da peste, trabalham em casa, ministrando aulas de forma remota, participando de
reuniões, congressos e os mais variados tipos de lives.
Um desses professores me disse que contava nos dedos
das mãos as vezes em que esteve no centro da cidade desde março de 2019. Uma amiga falou dos pais (com quase 80 anos) que estão muito chateados por terem
de ficar em casa, pois contavam aproveitar o final de suas
vidas viajando, passeando e visitando familiares. Porém, todos os que conversei estão relativamente bem, com os rendimentos garantidos e nenhum está incluído no enorme rol dos desempregados ou dos que tiveram seus negócios interrompidos.
A maioria professores de universidades públicas, alguns de universidades
privadas e, estes sim, sofrendo a redução do número de aulas e,
consequentemente, de salário.
“Que tempos!” No ano passado iniciei uma espécie de
diário da pandemia, mas não dei prosseguimento. Não tenho muito o que contar. Aposentado de
universidade federal, olho o mundo da sacada do apartamento, leio livros, vejo filmes
e rememoro a vida em geral. Como os pais da minha
amiga, eu também imaginara viajar. Mas os tempos são outros e, parodiando uma fala da peça do Sêneca, em "As troianas" (o livro que
encontrei na Feira do Livro), encerro esse registro dizendo:
– Aceita, rei da Frígia, essa lamentação, aceita esse
choro de um ancião.
Nenhum comentário:
Postar um comentário