segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Tempos de peste (2)

 

Sexta-feira passada fui à abertura da Feira do Livro de Santa Maria, realizada no Theatro Treze de Maio. Meu primeiro evento em lugar fechado, desde o início da pandemia. A plateia era restrita, o uso da máscara era obrigatório e nem todos os lugares estavam disponíveis. Alguns assentos tinham uma fita por cima, outros estavam liberados, determinando que as pessoas se sentassem com certo distanciamento. “Que tempos!” – foi o que pensei, olhando a pequeno número de espectadores.

Meus raros leitores dirão que isso não é assunto para crônica e concordo com eles. Nada de relevante, tendo em conta os milhões de brasileiros que se expuseram a situações de risco de contaminação desde o início da atual peste. A maioria porque não tinha como evitar; outros porque seguiram a orientação do Inominável e consideraram (talvez considerem ainda) a doença como “uma gripezinha”. Apenas uma parcela reduzida da população pode se dar ao luxo do isolamento social completo. Eu sou um desses privilegiados e faço o registro, lembrando de meu avô materno, que viveu a gripe espanhola em Pelotas. Ele talvez compreendesse a necessidade de deixar isso escrito.

A Feira do Livro teve (tem, pois ainda está acontecendo) número reduzido de expositores na praça e, antes de entrar no teatro, fiz o roteiro de praxe. Passei pelas barracas, olhei as novidades, bisbilhotei nos balaios (encontrei uma peça de Sêneca) e conversei com amigos. Mas devo dizer que não sentia o desembaraço e alegria de outras vezes. Como eu, alguns dos meus amigos estavam também se exercitando. Eram professores que, desde o início da peste, trabalham em casa, ministrando aulas de forma remota, participando de reuniões, congressos e os mais variados tipos de lives.

Um desses professores me disse que contava nos dedos das mãos as vezes em que esteve no centro da cidade desde março de 2019. Uma amiga falou dos pais (com quase 80 anos) que estão muito chateados por terem de ficar em casa, pois contavam aproveitar o final de suas vidas viajando, passeando e visitando familiares. Porém, todos os que conversei estão relativamente bem, com os rendimentos garantidos e nenhum está incluído no enorme rol dos desempregados ou dos que tiveram seus negócios interrompidos. A maioria professores de universidades públicas, alguns de universidades privadas e, estes sim, sofrendo a redução do número de aulas e, consequentemente, de salário.

“Que tempos!” No ano passado iniciei uma espécie de diário da pandemia, mas não dei prosseguimento. Não tenho muito o que contar. Aposentado de universidade federal, olho o mundo da sacada do apartamento, leio livros, vejo filmes e rememoro a vida em geral. Como os pais da minha amiga, eu também imaginara viajar. Mas os tempos são outros e, parodiando uma fala da peça do Sêneca, em "As troianas" (o livro que encontrei na Feira do Livro), encerro esse registro dizendo:

– Aceita, rei da Frígia, essa lamentação, aceita esse choro de um ancião.

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