quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Guerra híbrida

           A nova realidade latino-americana, isto é, as novas formas de intervenção política dos Estados Unidos na América Latina, está a exigir novos conceitos. O modelo que informava os golpes militares que destituíam governos nas décadas de 1960 e 70 - tanques nas ruas, prisões e cassações de adversários - está superado. Os novos golpes – como os de Honduras (2009), Paraguai (2012) e Brasil (2016) – seguem um outro padrão e talvez o conceito de guerra híbrida seja a melhor chave explicativa.

Uma guerra que não mais privilegia soldados num território determinado, mas, sim, ações que visam “controlar ou moldar o comportamento dos organismos inimigos sem destruí-los” - sem colocar tanques nas ruas e tropas cercando palácios de governo e congressos nacionais, como no modelo anterior. Uma guerra neocortical ou psicológica, como teoriza Richard Szafranski, coronel norte-americano. Um novo tipo de ação político-militar estadunidense que tem como objetivo o mesmo que os tradicionais golpes militares: intervir em determinados Estados Nacionais, mudar os seus mandatários, ajustar as suas leis aos interesses norte-americanos, mas, agora, com um grau de violência menor.

Os tanques militares ficam no pátio dos quartéis e basta um twitter (como aquele do general Eduardo Villas Bôas, em 2018, ameaçando o STF caso os ministros ajam de forma independente) para que o adversário político seja escanteado (no caso do twitter citado, que Lula ficasse impossibilitado de concorrer à Presidência da República).

Haja engenharia política para que uma coisa dessas funcione! A essa engenharia, alguns teóricos estão chamando de Guerra Híbrida. Um conjunto de ações que visam, em primeiro lugar, disseminar determinada visão dos fatos (que uma companhia estatal é incapaz de gerir a riqueza petrolífera recém descoberta, que a companhia está sendo alvo de roubo perpetrado pela classe dirigente e que basta mudar isso – a Presidente e o grupo dirigente – pra tudo se resolver). Para isso, pactuar com a grande imprensa (a disseminação de informações é fundamental para moldar comportamentos, agir nas consciências e vontades dos “civis”, a população-alvo), constituir “tenentes” (lideranças), criar e financiar organizações (como MBL e Vem pra Rua), montar lobbys (como o das companhias petrolíferas Chevron e Exxon, articulada pelo cônsul Dennis Hearne, no Rio de Janeiro) e investir em “agentes nucleares”, como juízes (Sérgio Moro), políticos (José Serra e Michel Temer), militares (Eduardo Villas Bôas e Augusto Heleno) e policiais federais. Todas as organizações e personalidades citadas com contatos com autoridades norte-americanas, muitos deles já comprovados por documentos divulgados pelo WikiLeaks.

Escrevo isso porque terminei a leitura de um livro de divulgação sobre o tema: O que você pensa que você pensa, não é você quem pensa: a guerra híbrida no Brasil, de Marcelo Jugend (Curitiba, Editora MouraSA, 2021). Um livro escrito em linguagem acessível com uma abordagem não isenta. O título expressa um certo tom conspiratório, mas só para criar impacto e atrair o leitor. A abordagem é razoável, com bons argumentos, pelo menos para quem entende os Estados Unidos como potência econômica com projeto de dominação da América Latina, incapaz de conviver com Estados Nacionais independentes e soberanos, capazes de administrar e explorar suas reservas petrolíferas. Uma abordagem razoável para quem apostou no Pré-Sal, na possibilidade de criar um novo Brasil a partir dessa riqueza e por aí vai.

           Para quem participa dessa visão de mundo nacionalista e popular – Estado soberano capaz de gerir a riqueza do seu território em benefício da maioria da população – um livro que se lê com o coração aos saltos, dando racionalidade a esse processo que vivemos desde 2013 (a partir das “jornadas de junho”, para estabelecer uma data limite) e que culminou com o Governo Bolsonaro. Um livro escrito com a intenção (explícita) de atingir a parcela da população que ainda não está convencida de que o que vivemos um novo tipo de intervenção estadunidense, muito mais sofisticado do que o modelo dos anos 60 e 70. Livro polêmico, como se vê, que li com gosto e certo sentimento de obrigação. 

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