O
fenômeno migratório é central na formação da sociedade brasileira. No século
XIX, as elites pensavam um modo de substituir a mão-de-obra escrava e apostaram
na imigração europeia. Países europeus viviam transformações profundas, colocando
as classes populares em situação de precariedade e foram essas populações – especialmente
as da Itália – o alvo das políticas de imigração brasileira.
Como
sou descendente de imigrantes italianos pelo lado paterno, este foi um tema que
sempre me atraiu. Assunto de conversa de almoço de domingo. Meus avós paternos
foram colonos em fazenda de café paulista e sempre quis entender isso. No ano
passado, publiquei um romance que aborda uma família que tem origem nas levas
de emigrantes italianos, “Os caminhos de Santa Teresa” (Ed. Bestiário), e me senti
concretizando um projeto que nasceu nas conversas com meu pai...
Nos
anos 1970, justo quando procurava entender a matriz migratória da minha
família, despertei para as migrações realizadas no território brasileiro, aquelas
das populações do campo e das pequenas cidades para as grandes capitais
(Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre). Afinal, em 1967, minha
família protagonizara algo que estava neste roteiro: a migração das cidades do
interior do Estado (Pelotas, no caso) para a capital (Porto Alegre). Um caso
tematizado pela sociologia e pela literatura – o penoso processo de adaptação
das pessoas ao modo de vida urbano-industrial das metrópoles – dos quais cito
dois exemplos que me marcaram: “O colapso do populismo” (ensaio sociológico), de Octavio Ianni, e “Essa
terra” (romance), de Antônio Torres.
Vivenciei
o processo migratório no privilegiado espaço das classes médias (quando minha família se mudou de Pelotas para Porto Alegre) e, mais tarde, conheci (lecionando em escolas da região metropolitana de Porto Alegre) aquele que se processava no âmbito das classes populares. Em 1976, ainda estudante do Curso de História, lecionei meio ano numa
escola particular de Cachoeirinha (num prédio horroroso, em construção) e, em 78,
já formado, fui lecionar numa escola estadual em Alvorada (Grupo Escolar Júlio
César Ribeiro de Souza). Escutava meus alunos falarem a respeito das suas origens
rurais, caminhava pelas ruas dessas cidades, mas não tinha grande compreensão do
que via. Me chocava a pobreza da população, a precariedade das moradias assim
como da infraestrutura urbana.
No
final de 1979, fui designado para uma escola de Canoas (Escola Estadual Afonso Charlier),
e creio que aí tive uma experiência mais consistente. Lecionei quatro anos nesta escola e
pude interagir com a população local, fora do ambiente escolar inclusive. Um
dia, fui almoçar na casa de uns alunos e eles me contaram que tinham vindo do
campo (do interior de Dom Pedrito ou de Cachoeira), tentavam plantar no entorno
da casinha em que moravam no Bairro Mathias Velho e a terra não favorecia. “Terra
muito pobre”, eles me explicaram. Procuravam reproduzir as práticas a que
estavam habituados (o plantio de hortaliças, p.ex.) e “a coisa não vingava”. “O
ambiente não era o mesmo”, diziam. Mesmo assim, tinham uma esperança danada
quanto a melhorar de vida.
Hoje,
quando me preparo para deixar a cidade do interior do Rio Grande do Sul (Santa
Maria) em que vim morar há mais de três décadas, relembro esses fenômenos
migratórios que sempre me atraíram. No início dos anos 90, fiz a migração da
capital do Estado para o interior, na contramão das correntes migratórias para
as grandes capitais. Tinha sido aprovado num concurso para professor numa universidade federal e
mudei de cidade e de moradia. Sem exagero, vim “fugindo do Magistério Estadual”,
isto é, buscando uma alternativa para os baixos salários pagos aos professores
do Estado (no qual penei 13 anos). Lecionei 25 anos na Universidade, me
aposentei, conquistei uma posição salarial mais confortável e agora volto para
Porto Alegre.
Não
estou na mesma condição do meu avô Vittorio, que saiu da Itália com 14 anos,
acompanhando os pais, para vir trabalhar numa fazenda de café paulista, mas tenho a sua história como referência. Também não estou na situação dos meus alunos que deixaram o campo
para virem morar na região metropolitana de Porto Alegre, mas também penso neles. Isto é, de alguma maneira compartilho com eles a perplexidade e desassossego
de quem muda de cidade, de moradia, e tanto tem receio quanto esperança em
relação a nova vida.
Guardada
as devidas proporções, estou realizando a mesma “revolução interna” de todo o
migrante e sentindo a vida se transformar.
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