domingo, 19 de abril de 2020

Turista brasileira em Varadero

Estive em Cuba em 2011 e me hospedei num hotel de Havana, no bairro Miramar, um local de embaixadas e hotéis internacionais, com casarões antigos (“pré-revolucionários”) e casas no estilo norte-americano dos anos 1950. Caminhando pelo bairro, tive a impressão de andar num território estadunidense e lembrei que não foi sem razão que o anti-imperialismo foi um dos vetores da luta revolucionária. Cuba era uma espécie de protetorado dos Estados Unidos.
Hotel Miramar. Havana.

          Recordo essa viagem por conta de um passeio que fiz a Varadero e de uma cena que assisti protagonizada por uma turista brasileira. Varadero é um dos locais mais importantes da indústria turística cubana e consiste numa série de resorts ao longo de uma praia paradisíaca. Eu tinha que conhecer o lugar e lá fui com minha companheira passar um dia.
Saímos de Havana de manhã cedo, voltamos ao anoitecer. Ao chegar fomos para a beira da praia e constatei que aqueles postais que vemos do Caribe... são verdadeiros. Eles não enganam. A areia é branca, o mar é azul. Todas as cores são intensas. Uma paisagem de cartão postal. É só clicar.
Infelizmente, apesar do dia de sol, o mar não estava para banho. A bandeira era vermelha e havia um enorme cartaz informando (em diversas línguas) a respeito de uma determinação internacional para as praias do Caribe segundo a qual os banhos de mar ficam proibidos quando a bandeira estiver vermelha. Devido ao repuxo, me explicou o salva-vidas.
Fiquei frustrado e molhei apenas os pés. Eu e a totalidade dos visitantes daquela pequena praia de um resort de Varadero. E digo pequena porque a praia era cercada por rochas. Uma extensão de areia de pouco mais de cem metros e sólidas rochas em cadda uma das pontas. Na areia, cadeiras de praia, umas armações cobertas com folhas de palmeira para servir como guarda-sol e um bar servindo quantos drinques o visitante quisesse. Território paradisíaco. Mas sem banho de mar naquela manhã de céu esplendorosa, sol brilhante e nenhuma nuvem.
Varadero.

          A proibição, no entanto, não valia para uma turista que caminhava dentro da água enquanto o filho (um guri de menos de dez anos) se banhava livremente, dando mergulhos invejáveis. O salva-vidas foi até ela explicar as normas da praia e ela respondeu, altivamente, que cuidava do menino. Que era seu filho e ela estava habituada. Nas praias brasileiras nunca ninguém lhe dizia o que tinha de fazer. E respondeu num português brasileiríssimo que não deixava dúvidas quanto a sua origem.
O salva-vidas (um professor de educação física) se esmerou em explicar o quanto o mar é traiçoeiro, mas não houve jeito. Ora o mar, ora as normas internacionais! A jovem senhora, escultural no seu maiô de duas peças, não se dobrava a qualquer argumento.
O rapaz se retirou, me viu observando a cena, sabia que eu era brasileiro e veio me dizer que isso era frequente.
– Alguns turistas não entendem – explicou. – E os piores são os russos e os brasileiros – acrescentou. – Se atiram dentro da água, dizem que está tudo sob controle, que eles sabem nadar, mas se o repuxo os carrega para o fundo não conseguem voltar sozinhos. Eu tenho de busca-los. E não pensa que é fácil.
Lembrei desse episódio porque tenho a impressão de que muitos brasileiros são assim: acham que podem descumprir as normas e se comportarem do mesmo modo como fazem em casa. Se o sujeito é jovem, penso que a petulância está explicada. Vai passar. Mas se já passou dos 30, se já foi curtido pela vida, a coisa me incomoda.
Um comportamento, me parece, que tem se revelado ultimamente no país, quando vemos brasileiros de meia idade, enrolados na bandeira nacional, negando as medidas rigorosas de combate à expansão do covid-19. Negam o que é consenso entre as autoridades médicas e sanitárias internacionais. Negam com o nariz erguido. Negam e acham que não serão atingidos pela catástrofe que se aproxima.
Me lembram a turista brasileira em Varadero. Ao final ela se deu bem. O filho deu todos os mergulhos que teve vontade e depois ela saiu com ele pela mão. Era uma mulher bonita. Arrogante e bonita. Bem tratada. E imagino que  ela, nesses últimos dias, deve ter estado engrossado a multidão dos bolsonaristas que estiveram na Avenida Paulista protestando contra o governo Dória, a Rede Globo e a China.

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