domingo, 26 de abril de 2020

Histórias de família (5)

Quando me deparei com a coleção de estátuas romanas no Museu do Vaticano, senti como se voltasse à infância. O poeta Sílvio Duncan, nos anos 80, já tinha me avisado: ao envelhecer, a infância volta como se fosse um filme. Não é preciso se esforçar, ela vem.
Foi isso que ocorreu comigo num dos corredores do Museu do Vaticano. Lembrei de quando tinha 10 anos de idade e o pai contava que meus avós eram italianos... Na minha imaginação de menino, eles deviam saber tudo sobre Roma Antiga. Conhecer as ruínas, saber a história...
Museu do Vaticano. Espaço reservado às esculturas romanas.
Um dia perguntei mais ou menos isso para a tia Irani – se meus avós conheciam História Antiga – e ela riu.
– Isso é coisa de gente estudada, Vitinho. Eles não eram. – Ela falou. – Mamãe gostava de ópera. Se tem uma ópera com imperadores e madonas, aí talvez ela soubesse.
Seja como for, minha cabeça de menino inventou histórias fantásticas e até hoje elas me conduzem. Quando criança, em Pelotas, meu pai me levava ao cinema e assistíamos muitos filmes de temática histórica. A queda do Império Romano foi um dos meus preferidos. Épico hollywoodiano sobre o governo de Cômodo.[i]
Guri dado a fantasias, achava que uma história com aquela grandeza na certa qualquer pessoa que nascera na Itália conhecia... O pai nunca me desmentiu (na verdade, nunca soube dessas bobagens do filho) e me apresentou O Tesouro da Juventude, os fascículos do Conhecer e foi por aí que comecei a ler sobre a Roma Antiga.
No Vaticano, diante da estátua do imperador Augusto, lembrei disso tudo. A infância como se fosse um filme. Os joelhos afrouxaram. Se tivesse um banco, me sentaria. Mas aguentei firme, de pé, e saquei várias fotos como qualquer turista.
Conto essa história para deixar evidente o sentimento que embala essas memórias. Meus avós eram lavradores. No documento de entrada no Brasil, na Hospedaria dos Imigrantes, está registrado que Vittorio, 14 anos, tinha a profissão de lavrador – o mesmo registro em relação aos seus pais (Vincenzo, 37 anos, Oliva, 34) e até sua irmã Antonietta, 3 anos. Na certidão de casamento, na cidade de Tietê, em São Paulo, Vittorio já consta como mecânico, mas sua esposa, Santa, continua lavradora.
Mas na minha imaginação de menino, muito mais do que simples camponeses, eles são herdeiros do Império Romano e por aí afora. Fantasias de guri das quais nunca me livrei e que estão nos alicerces dessas histórias de família que vou narrando.



[i] A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO. Direção de Anthony Mann. EUA, 1964, 188 min. Cômodo assassina o pai (Marco Aurélio) e se torna imperador. Segundo o filme, o fim do governo despótico de Cômodo é o início da decadência do Império.

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