segunda-feira, 20 de abril de 2020

Na beira da Lagoa Rodrigo de Freitas

Vou narrando como lembro. A memória anda tirando coisas do fundo do baú, nem sempre são lembranças confiáveis - muitas vezes estão envoltas em névoas -, mas, como tenho medo de perdê-la, vou registrando-as como surgem.
Hoje lembrei da primeira vez que estive no Rio de Janeiro. Julho de 1975. Viajava sem um roteiro certo. A ideia era chegar em Ouro Preto. Saí de Porto Alegre com umas amigas e nossa primeira parada foi em Garopaba. De ônibus. O ônibus não entrava em Garopaba, nos deixou na beira da estrada e depois pegamos carona. Nos hospedamos no Hotel Lobo.
Engraçado que éramos quatro e só lembro daquela que era minha colega na universidade. Mas não digo o nome. Ela não quer. Um dia contei uma história que nós vivemos e recebi a cobrança:
– Pô, Vítor, não conta uma coisa dessas.
Vou acatar o pedido. Mas lembro bem dela. Era muito bonita. As outras duas gurias eram suas amigas e recordo de todos nós, juntos, tomando o café da manhã no Hotel Lobo. Todos os hóspedes do hotel reunidos em torno de uma única mesa. Havia um prato com frios (presunto, salame, essas coisas) e um dos hóspedes disse que não comia carne e fez uma pregação vegetariana. Nós ficamos ouvindo. Eu, sem coragem de pegar uma fatia de presunto e colocar no sanduíche.
De repente um outro hóspede – um magrão, como se dizia – se vira pra mim e diz:
– Me passa esse cadáver que eu vou encarar.
Eu alcancei o prato de presunto e logo depois também peguei uma fatia para mim.
Não lembro do resto do passeio na praia. Era inverno. De lá fomos para São Paulo, depois Rio de Janeiro.
Quando chegávamos nessas cidades, nos dispersávamos. Cada um procurava uma casa de parente para se hospedar. No Rio, eu tinha um endereço perto da Lagoa Rodrigo de Freitas e fui até lá. Era um prédio sofisticado, mas não havia porteiro eletrônico e portaria estava vazia. Fui entrando, bati na porta do apartamento, ninguém atendeu e fui embora.
Como era início da tarde, fiquei na beira da lagoa e me recostei debaixo de uma árvore. Bateu o sono e dormi. Quando acordei, entardecia e achei a paisagem muito bonita. Cenário de filme.
Quando lembro disso – que dormi na beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, com a mochila ao lado e que me acordei são e salvo, com a mochila intacta, tenho a impressão de que vivi um Rio que não existe mais.
Lembrei disso quando estive em Copacabana, no verão de 2020, e a Lagoa Rodrigo de Freitas era um dos meus caminhos. Um dia, minha companheira e eu fomos visitar a Casa Museu Eva Kablin, próxima à lagoa, e recordei a cena: um mochileiro dos anos 70, sesteando nas margens da lagoa. O que eu esperava da vida?
Deitado na beira da lagoa, dormindo o sono dos justos, na certa eu achava que a vida seria fácil, muito fácil. Que tudo seriam flores, como ironizava meu pai, tentando me fazer enxergar a dureza da vida. Me enganei redondamente. Mas naquele dia deu certo, isto é, naquele dia me dei bem.
Não lembro se voltei ao apartamento daqueles parentes bacanas. Sei que fui procurar o apartamento de uma tia-avó no Flamengo. Ela morava com a filha e o genro. O neto era atleta. Mas aí seria outra história. Deixo para a próxima.
Dessa vez é só a cena da soneca na beira da lagoa. Uma bela sesta. Me revitalizou. Encontrei pousada na casa da tia e depois segui para Minas Gerais. Apenas minha amiga e eu. As outras duas já tinham ficado em São Paulo.
          Pegamos um ônibus para Belo Horizonte, depois outro para Ouro Preto, e o que vivemos na cidade mineira foi muito legal. Deixou ótimas lembranças - essas coisas que se vive aos 20 anos e que ficam melhores com o passar dos anos.

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