Quando meus avós paternos chegaram da Itália, foram
trabalhar em fazenda de café, em São Paulo. O vô desembarcou em Santos, em
agosto de 1888, depois subiu para a cidade de São Paulo; a vó, eu não sei. Os dois
se conheceram no eito, contou uma tia. Era hora do almoço, os trabalhadores se ajeitaram
debaixo dos cafezais, abriram os embrulhos onde estava a refeição e
foi aí que começaram os olhares. Um namoro de olhares e bilhetes. Pouca conversa.
Namoro que se dava durante o serviço no cafezal. Talvez durante a colheita... As
mãos de um e de outro arrancando os grãos vermelhos dos pés de café e enchendo os cestos.
Mas essa última parte (a da colheita) já é imaginação
minha. Ou talvez de alguma tia, não sei, quem sabe a tia Landa, Alice ou Irani – as
tias com as quais conversei sobre o assunto. Com a tia Landa (Iolanda), a conversa
era na cozinha da casa que foi do vô Vittorio, em Pelotas, nos anos 80. Nós
dois ao redor da mesa, comendo galinha com arroz e bebendo cerveja preta.
Cerveja preta era a que ela mais gostava. Uma tia pequeninha, anã, que os
sobrinhos adoravam. Demos muita gargalhada, os dois.
– Era tudo muito difícil naquela época – ela contava. –
Eles trabalhavam muito. Depois casaram, tiveram catorze filhos e sempre as gurias mais velhas eram designadas a cuidar dos mais novos. Cada filha mais velha responsável por um mais novo. Era assim
que funcionava. Teu pai, o Rubens, era responsabilidade da Irani.
Depois ela parava, ficava pensando, olhava pra mim e
ria:
– Como a gente trabalhava, Vitinho. Nem imagina.
Trabalhavam, mas também se divertiam. O pai contava
que os irmãos corriam pela casa, corriam atrás da tia Landa e ela – tão pequenininha,
anãzinha – passava chispando por baixo da mesa, sem precisar se agachar.
– Era difícil pegar ela – o pai explicava.
Mas estou desviando o assunto. Volto ao namoro do vô e
da vó no cafezal – em Sorocaba talvez. Um pouco depois eles se casaram e foram viver na cidade de Tietê. Ele com 22 anos, mecânico; ela com 17,
lavradora. É assim que está escrito na certidão de casamento, de 1895.
– E como é que saíram da fazenda? – eu perguntava. Mas
nunca ninguém soube responder. As tias não sabiam.
O tio Victor, que eu vivia pedindo para me contar o
que sabia, ficou protelando, protelando e não deu tempo. Um dia a Carmen Lúcia,
a filha dele, me telefonou para dizer que ele ia falar, que eu podia vir, vamos
marcar (ele morava em Pelotas, eu já estava em Santa Maria), mas naquela semana
ele morreu. Dormindo. E levou todas as suas histórias consigo.
Nas conversas com o pai, esse assunto nunca foi
tocado. A saída de um imigrante da fazenda (um imigrante que viajou financiado
pelo governo para servir como mão-de-obra para os fazendeiros paulistas) não
era problematizada. Eu só soube dessa história depois, isto é, que não era
fácil os colonos deixarem as fazendas. Os proprietários faziam de tudo para retê-los.
Havia uma legislação que obrigava os imigrantes a ficarem nas fazendas (pelo menos durante um certo número de anos). Então,
muitas vezes, os colonos fugiam.
O vô e a vó fugiram? Não sei.
Ele era mecânico. O pai contava que ele sempre gostou
de máquinas. Aprendeu a lidar com isso na fazenda. As fazendas paulistas tinham
um setor de beneficiamento do café, com secadores, descascadores, ventiladores.
Havia uma indústria agrícola próspera, com muitas invenções e melhoramentos de equipamentos.
Não sei como meu pai e eu conversávamos sobre isso. Eu
era estudante de História (1974-77), lia sobre a expansão da cafeicultura em
São Paulo, o pai ouvia e reorganizava as suas lembranças com as informações que
eu passava.
Como é que o vô deixou de ser colono que trabalha no
eito (essa era uma expressão que as tias gostavam, para se referir ao trabalho
na terra) e passou a atuar no setor de beneficiamento?
Imagino que cheguei a conversar isso com o pai. Ele não
soube responder. Minhas tias também não – mas garantiram que o vô e a vó se
conheceram no cafezal, durante o serviço. Um namoro de olhares e bilhetes.
Pouca conversa. E depois casaram.
– Tua vó era muito mocinha – a tia Landa falava. As outras
tias confirmavam. Todas diziam que ela começou muito cedo. – Quando abriu
os olhos, já tinha uma penca de filhos – concluía a tia Landa. E ria. Ela tinha
um sorriso enorme.
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