sexta-feira, 5 de maio de 2017

Eça de Queirós

Terminei de ler Eça de Queirós e o século XIX, de Vianna Moog (Rio de Janeiro, Editora Delta, 1966, 358 p.). Encontrei o livro num sebo e me entusiasmei. Lembrei que meu primeiro contato com Eça se deu quando cursava o ensino médio, numa edição de Contos em formato de jornal (São Paulo, Jornalivro, 1972). Li e reli esses contos. Demorei muito até concluir Os Maias, a sua obra-prima, e creio que nunca darei conta da sua obra completa.
Quando vim morar em Santa Maria, no início dos anos 90, conheci uma professora de Letras – Glorinha, companheira de um colega de departamento – e conversávamos muito sobre literatura. Ela tinha um gosto especial por Eça de Queirós e falava com entusiasmo sobre ele. Eu tinha uma ideia de Eça apenas como crítico social, disposto a transformar a realidade sócio-política portuguesa, e ela falava da mudança que ele passara no final da vida, quando fez as pazes com a tradição lusitana, com a monarquia e a religião. Ela apontava um Eça que eu desconhecia. Conversávamos muito sobre isso porque nos interessava o engajamento dos escritores e também o nosso, de professores.
“Por que essa fissura em querer mudar a realidade social e política?”, nos perguntávamos. “Por que não aceitar as coisas como são? E por que alguns mudam no meio do caminho?” Não nos interessavam as razões objetivas de transformar o sistema econômico-social (que para mim eram – e ainda são – claríssimas), mas entender as motivações pessoais de quem se propõe a fazer isso ou deixa essa preocupação de lado. A trajetória de Eça se prestava a essas elucubrações.
Lendo a biografia feita por Vianna Moog, retomei esses velhos assuntos. Eça viveu a agitação cultural da Universidade de Coimbra (no início da década de 1860) e, a partir daí, forjou um ideário de combate em relação à sociedade portuguesa, monárquica e católica. O crime do padre Amaro é exemplar nesse sentido; Os Maias, igualmente, com muito maior requinte e perfeição. Mas por volta dos 43 anos de idade, pouco tempo depois de casar-se com uma aristocrata portuguesa e vivendo como diplomata em Paris (uma das grandes aspirações da sua vida), ele tinha outra cabeça e não lhe arrebatavam mais as novidades tecnológicas e filosóficas do seu século, marcadas pela Revolução Industrial e a derrubada da Bastilha.
À época da Grande Exposição Internacional de Paris (1889), dedicada a comemorar o centenário da Revolução Francesa, “as maravilhas do século XIX” começaram a lhe causar “tédio e desconfiança”, segundo Vianna Moog. No mesmo ano, morreu o rei de Portugal, D. Luís, e Eça compôs um necrológio muito elogioso ao rei, que valeu como uma espécie de conciliação com a monarquia lusitana.
O que diria minha amiga Glorinha, se eu retomasse essa conversa e utilizasse os dados apresentados por Vianna Moog? Não nos vemos há duas décadas e só posso imaginar... Talvez ela dissesse que Eça fora apaziguado pela esposa aristocrática, os filhos, uma quinta na região do Douro, e passara a sentir o mundo de outra maneira. Imagino que comentaríamos comentaríamos a respeito das pessoas do nosso círculo de relações que migraram do campo da esquerda para a direita de forma ruidosa e selvagem - e suponho que ela sustentaria que Eça fez essa passagem de forma civilizada, mantendo o estilo elegante de sua escrita, assim como argumentos sólidos, como se lê em A Cidade e as Serras.

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