sábado, 27 de maio de 2017

O que cabe na crônica

Nem tudo cabe na crônica. Talvez não caiba na crônica a mulher que chora numa mesa de canto, nesse saguão de café de um hotel, nessa manhã de domingo. Ela acabou de entrar junto com um rapaz, os dois são tão jovens que nem arrisco dizer que são casados. Talvez sejam namorados. Os dois escolheram uma mesa de canto, sentaram-se um na frente do outro, o rapaz esticou o braço e segurou a mão da moça. Ele está visivelmente preocupado, mas não traz nenhum sinal de lágrimas nos olhos. Depois a moça se livra da mão do rapaz e vai servir-se de café. Ele fica sentado, a jovem volta com um prato de doces, uma xícara de café, e o rapaz a assiste comer.
Por que motivo ela chora?, me pergunto. Eu também estou acompanhado e minha companheira não chora. Penso se está tudo bem entre nós e imagino que sim. Não somos casados, talvez sejamos namorados, e pergunto se ela viu a moça chorosa. Ela diz que não notou, disfarça, observa o casal e comenta:
– Olha como ela come. O choro deve ser pra impressionar o namorado. – E acrescenta que a cozinha do hotel serve doces muito bons, me aponta uma fatia de bolo no seu prato e diz para eu provar.
Eu pego um pedaço do bolo e penso que casais são assim: às vezes passam a discutir por qualquer coisa e a vida se torna um inferno. Eu já cumpri esse roteiro, já fui casado e entrei nesse cipoal de discussões.
– É bom mesmo – eu digo à minha amiga, me referindo a fatia de bolo que acabei de comer.
Nem tudo cabe na crônica. Não cabe a mulher chorando na mesa ao lado, nesse saguão de hotel, não cabem as histórias complicadas dos casais que um dia se amaram, se desentenderam e foram tragados por discussões intermináveis. Na crônica, o melhor é escrever sobre assuntos que possam ser tratados sem muitos rodeios. Por exemplo, dizer que uma moça chora e o namorado estende a mão para acalmá-la, sem esmiuçar as razões disso tudo. De preferência, dando a entender que tudo vai passar, que tudo é possível quando existe a possibilidade do toque de duas mãos.
A crônica geralmente pede uma pegada leve e o bom cronista talvez seja aquele que não esquenta com as profundidades da alma humana e esbanja bom humor e otimismo. Eu observo os olhos da minha amiga e noto que eles estão claros e serenos como a manhã de céu azul do outro lado dos vidros desse saguão de hotel. É isso que cabe na crônica. Ao menos hoje, é apenas isso que cabe na crônica. 

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