O poeta Escobar Nogueira me
convidou para participar, na semana passada, de um evento na Feira do Livro de
Santa Maria. Convidou a mim e a outros escritores e professores. A ideia era a
de que cada um de nós falasse de um livro importante em nossas histórias
pessoais, um livro que nos impactou. Para alguns convidados, esses livros foram
“As aventuras de Robin Hood”, de Monteiro Lobato, “Contos plausíveis”, de
Carlos Drummond de Andrade, e “Os miseráveis”, de Vitor Hugo. Eu escolhi “Contos”,
de Guy de Maupassant, traduzido por Mário Quintana, uma publicação da Editora
Globo, de 1955. Livro que encontrei na estante da sala de casa, quando tinha 15
anos de idade.
A maioria de nós falou pouco dos
livros em si, dos seus autores, e mais sobre as condições em que as obras
entraram em suas vidas e o quanto impactou, emocionou e por aí afora. Eu não
fugi ao roteiro e abordei pouco a obra literária de Guy de Maupassant, esse
importante contista francês da segunda metade do século XIX, uma referência na
construção do conto clássico, com começo, meio e fim, personagens com nome
e endereço, história redondinha e final surpreendente. Falei, isso sim, do
menino que eu era quando me deparei com os contos de Maupassant, que retratam
de forma realista a sociedade francesa, com ênfase nos aspectos sórdidos, cruéis,
e nos personagens sem escrúpulos e até perversos.
Falei do menino ingênuo que
terminava o Ginásio, estava no final do ano letivo e que ficara em exame de Língua
Portuguesa por alguns décimos, provavelmente
uma decisão do professor da disciplina para dar uma lição ao aluno presunçoso
que eu era. A matéria a ser estudada era a famosa análise sintática, eu não
estava muito interessado no assunto e ocupei meu tempo lendo Maupassant. Uma surpresa
total para o leitor que até então tinha Júlio Verne e José de Alencar como
referências principais. Enfrentei o exame, passei com oito ou nove, e segui a
leitura de Maupassant. Minha mãe achava que não era livro para mim – "não era
apropriado para a formação de um jovem”, esse o pensamento da mãe – e o pai me defendeu
dizendo que o livro era bom e era melhor que eu lesse coisas boas. “Deixa o
guri”, ele disse. A mãe gostava de Maupassant, “O colar de diamantes” era um
dos seus contos prediletos, e aceitou que eu me emancipasse de sua tutela ao
menos em assuntos literários.
O menino que eu era ficou
deslumbrado com as personagens de Maupassant – as prostitutas (“Bola de Sebo”),
os militares cruéis (“Mademoiselle Fifi”), as mulheres volúveis, os homens sem escrúpulos – e aquela leitura significou uma guinada na minha vida, na minha
compreensão do mundo. A partir daí, creio que passei a me aventurar mais no
campo da literatura. Descobri Machado de Assis, Tolstói, a literatura policial
norte-americana – mas nem sempre entendi muito bem o que lia. Era um menino ingênuo
e romântico, comprometido com o catolicismo ainda por cima. Logo ingressei na
Juventude Católica, não perdia a missa dos domingos e, na verdade, na verdade,
demorei muito a crescer.
Mas Maupassant ficou como referência. Um marco. Uma leitura impactante. E, feito um personagem do conto "Mosca", eu era bem capaz de dizer que, "no tempo em que eu remava [nas águas do Sena], vi muita coisa gozada e gozadíssimas raparigas". Na literatura, ao menos, eu me emancipei a partir de então.
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