Atravesso a Praça Coronel Pedro
Osório e não encontro o menino que eu fui correndo pelos canteiros. A voz de
minha mãe recomendava que eu não pisasse no barro, mas não lembro os caminhos
que eu percorria. Recordo minhas calças curtas, minhas pernas magras, e o
sorriso dela me envolvendo e me acariciando suavemente. Constato os patos nadando
no laguinho, mas não escuto as risadas de meus irmãos nem vejo as pipocas que
jogávamos.
Onde aquele espanto e
perplexidade que tomou conta de nós, quando o pai nos trouxe aqui na praça para
assistir a um show de equilibrismo? Onde o fio de metal no qual andava o
artista e sua bicicleta? Estaria o fio estendido muito cima das árvores,
confundindo-se com o céu, como a minha memória insiste em afirmar?
Meu pescoço doeu ao acompanhar o
percurso do equilibrista. Eu não enxergava o fio, temia que o homem caísse e perguntei ao pai:
– Ele vai cair? Vai cair?
– Cala a boca, guri, presta atenção.
A voz do pai às vezes descia
severa até meus ouvidos e dizia:
– Agora vai brincar, vai, deixa o
teu pai e tua mãe conversarem.
E eles ficavam sentados num banco
da praça, enquanto eu caminhava entre os canteiros e os observava de longe.
Certa vez, tive a ideia de
enterrar um tesouro na praça: dois botões de braguilha, um soldadinho de
chumbo, três tampinhas de Fanta. Tinha esperança de que, depois do ano 2000,
quando a Terra não existisse mais, um ser de outro planeta o desenterraria. Então
ele descobriria – imagino hoje – os segredos daquele menino de calças curtas. Decifraria
seus sonhos e a névoa cinzenta que volta e meia embaçava seus dias.
Que dentes usava aquele guri para
morder os pêssegos que a cidade produzia? O guri sabia descascar camarão e
comer peixe sem se engasgar com as espinhas? Que sonhos ele tinha, quando carregava
a sua pasta e caminha em direção ao grupo escolar?
O vô falava que um dia os cavalos
de bronze do chafariz sairiam aos pinotes pela praça e ninguém conseguiria detê-los.
Me sento num banco, fecho os olhos e escuto seus cascos martelando o chão.
Para vencer a peste na Antiga Grécia,
foi necessário buscar do Velocino de Ouro. Irei buscá-lo?, me pergunto. Assisti
a esse filme no Cine Guarany, depois desci com o pai a Rua Álvaro Chaves em
direção ao porto. Passamos pela Faculdade de Odontologia e falei que não seria
mais dentista quando crescesse. Seria argonauta e escreveria livros que se
transformariam em filmes. No porto, nos aguardava um navio de guerra e eu
apostava que ganharíamos o mar.
– Vens comigo, pai?
E como não escuto a sua resposta, abro os olhos para a praça e sinto que não poderei sair enquanto não ver um menino desenterrar seu tesouro.
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