terça-feira, 16 de maio de 2017

Crônicas pelotenses (1990) - Praça Coronel Pedro Osório

Atravesso a Praça Coronel Pedro Osório e não encontro o menino que eu fui correndo pelos canteiros. A voz de minha mãe recomendava que eu não pisasse no barro, mas não lembro os caminhos que eu percorria. Recordo minhas calças curtas, minhas pernas magras, e o sorriso dela me envolvendo e me acariciando suavemente. Constato os patos nadando no laguinho, mas não escuto as risadas de meus irmãos nem vejo as pipocas que jogávamos.
Onde aquele espanto e perplexidade que tomou conta de nós, quando o pai nos trouxe aqui na praça para assistir a um show de equilibrismo? Onde o fio de metal no qual andava o artista e sua bicicleta? Estaria o fio estendido muito cima das árvores, confundindo-se com o céu, como a minha memória insiste em afirmar?
Meu pescoço doeu ao acompanhar o percurso do equilibrista. Eu não enxergava o fio, temia que o homem caísse e perguntei ao pai:
– Ele vai cair? Vai cair?
– Cala a boca, guri, presta atenção.
A voz do pai às vezes descia severa até meus ouvidos e dizia:
– Agora vai brincar, vai, deixa o teu pai e tua mãe conversarem.
E eles ficavam sentados num banco da praça, enquanto eu caminhava entre os canteiros e os observava de longe.
Certa vez, tive a ideia de enterrar um tesouro na praça: dois botões de braguilha, um soldadinho de chumbo, três tampinhas de Fanta. Tinha esperança de que, depois do ano 2000, quando a Terra não existisse mais, um ser de outro planeta o desenterraria. Então ele descobriria – imagino hoje – os segredos daquele menino de calças curtas. Decifraria seus sonhos e a névoa cinzenta que volta e meia embaçava seus dias.
Que dentes usava aquele guri para morder os pêssegos que a cidade produzia? O guri sabia descascar camarão e comer peixe sem se engasgar com as espinhas? Que sonhos ele tinha, quando carregava a sua pasta e caminha em direção ao grupo escolar?
O vô falava que um dia os cavalos de bronze do chafariz sairiam aos pinotes pela praça e ninguém conseguiria detê-los. Me sento num banco, fecho os olhos e escuto seus cascos martelando o chão.
Para vencer a peste na Antiga Grécia, foi necessário buscar do Velocino de Ouro. Irei buscá-lo?, me pergunto. Assisti a esse filme no Cine Guarany, depois desci com o pai a Rua Álvaro Chaves em direção ao porto. Passamos pela Faculdade de Odontologia e falei que não seria mais dentista quando crescesse. Seria argonauta e escreveria livros que se transformariam em filmes. No porto, nos aguardava um navio de guerra e eu apostava que ganharíamos o mar.
– Vens comigo, pai?
E como não escuto a sua resposta, abro os olhos para a praça e sinto que não poderei sair enquanto não ver um menino desenterrar seu tesouro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário