No meu círculo de relações, de gente nascida nas décadas de 1950 e 60, é comum escutar histórias de surras. Às vezes dadas pelo pai; outras vezes, a mãe. Não dá pra dizer quem batia mais. Muitas vezes os pais usavam um chinelo para executar a “tortura”, mas na maioria das vezes era a palma da mão mesmo – e não necessariamente na bunda, mas em qualquer parte do corpo. Em raros casos, a cinta servia de instrumento e, mais raro ainda, o relho ou um galho de árvore.
Alguns têm lembranças tristes desses episódios, um
e outro até sente dificuldade em lembrar e ainda há quem fale com lágrimas nos
olhos. Mas, de modo geral, a coisa está assimilada. “Era o modo como nossos
pais encaravam a difícil tarefa de educar e a coisa não foi tão ruim” – parece
ser a conclusão. Somos velhos, estamos na faixa dos 60, alguns entraram nos 70,
e nessa idade as coisas que nos fizeram sofrer já não doem tanto (na maioria
das vezes).
– Eu aprontava muito – me disse um amigo – o velho
não sabia o que fazer e sapecava o relho no meu lombo. Acho até que ficava mal
com o troço. Mas eu aprendi. Ah, se aprendi.
Uma amiga, porém, até pouco tempo atrás precisava segurar
o choro ao falar da mãe surrando-a com qualquer coisa que estivesse a mão.
– Ela ficava fora de si, completamente fora de si –
explicava, complementando que a mãe não sabia o que estava fazendo. – A vida
dela degringolava, nada dava certo e acho que ela descontava em mim.
Uma geração que foi moldada por uma pedagogia que
colocava a surra como instrumento de educação. Coisa que as novas gerações nem sabem
o que é.
Minha mãe, que era professora primária – formada
pela Escola Complementar de Pelotas, no início da década de 1940 – contava que
era difícil dizer para os pais dos alunos não baterem nos filhos.
– Castigos físicos não educam – ela costumava me falar
– só causam ressentimento. Meus pais nunca me bateram e depois eu aprendi na
escola que essa era a atitude correta. O pai de vocês foi criado a base de
surras (prática costumeira entre famílias de imigrantes italianos) e sempre me
opus a isso. Ele demorou muito a mudar, mas mudou. Foi um sacrifício para ele,
mas entendeu.
Eu lembro do meu pai surrando meu irmão mais velho, uma ou outra vez erguendo a mão para me bater... e não sei mais se ele me batia ou não. Parece que só ameaçava. Mas essa ameaça eu sou capaz de recordar como uma verdadeira surra. Pois dói, dói muito, lembrar o rosto do pai atormentado pela raiva, uma raiva direcionada a mim.
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