sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Um lugar ao sol

          Houve um tempo que era assim: eu acordava de manhã, me dava na veneta de pegar a estrada e lá ia eu. Fazia a mochila, ia até a rodoviária pegar um ônibus ou então parava na beira da estrada e esperava uma carona.
         Minha mãe conta que nessas horas era difícil me conter. Ela não sabia o que acontecia comigo.
– Pra onde tu vais? – ela perguntava.
– Não sei – eu respondia. – Pra praia, pra qualquer lugar.
E geralmente o caminho era o litoral mesmo. Muitas vezes o Litoral Norte (Tramandaí, Capão da Canoa ou Torres), mas outras vezes eu seguia até Santa Catarina (Garopaba, Naufragados, Porto Belo). Certa vez fiquei numa praia que até hoje não sei o nome e dormi dentro de um barco de pescador.
A viver o tédio em Porto Alegre, às vezes eu escolhia o tédio na beira mar.
         Nessa oportunidade em que parei dentro de um barco de pescador, coloquei na mochila um romance do Érico Veríssimo e foi a salvação da lavoura. Me acomodava na sombra do galpão dos pescadores e passava horas lendo. Dava um mergulho no mar, dava uma caminhada e voltava para a leitura. 
Na minha mochila, sempre houve lugar para os livros: uma bolsa externa, na qual os livros ficavam bem acomodados e não tinham as páginas amassadas. Ali cabiam os poemas de Drummond e Quintana, o jornalismo contracultural de Luís Carlos Maciel, os textos políticos de Trotsky e até Monteiro Lobato. Não me recordo de nenhum título de Hermann Hesse me acompanhando nessas viagens, nem de Rubem Fonseca, Caio Abreu ou Dürrenmatt – leituras obrigatórias daqueles anos 70. Ou melhor, leituras que faziam parte do repertório da minha geração.
Naquela manhã que resolvi partir para uma praia desconhecida, em Santa Catarina, era o romance Um lugar ao sol, de Veríssimo, que me acompanhou. A luta de Vasco e Noel por um lugar na sociedade porto-alegrense da década de 1930. E, no meio da trama, uma personagem feminina luminosa chamada Fernanda, que nunca perdia a fé & a esperança.
Abri o romance outro dia e várias lembranças vieram à tona: uma viagem repentina, uma praia desconhecida e a sombra de um galpão de pescadores... É este livro que me entreteve nos últimos dias – um romance sem unidade, segundo o próprio autor, mas com personagens bem configurados. E, no meu caso, mais do que uma leitura agradável, um bilhete de viagem para um verão da década de 70.

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