Houve
um tempo que era assim: eu acordava de manhã, me dava na veneta de pegar a
estrada e lá ia eu. Fazia a mochila, ia até a rodoviária pegar um ônibus ou
então parava na beira da estrada e esperava uma carona.
Minha mãe conta que nessas horas era
difícil me conter. Ela não sabia o que acontecia comigo.
– Pra onde tu vais? – ela perguntava.
– Não sei – eu respondia. – Pra praia, pra qualquer
lugar.
E geralmente o caminho era o litoral mesmo. Muitas
vezes o Litoral Norte (Tramandaí, Capão da Canoa ou Torres), mas outras vezes
eu seguia até Santa Catarina (Garopaba, Naufragados, Porto Belo). Certa vez
fiquei numa praia que até hoje não sei o nome e dormi dentro de um barco de
pescador.
A viver o tédio em Porto Alegre , às
vezes eu escolhia o tédio na beira mar.
Nessa oportunidade em que parei dentro
de um barco de pescador, coloquei na mochila um romance do Érico Veríssimo e
foi a salvação da lavoura. Me acomodava na sombra do galpão dos pescadores e passava
horas lendo. Dava um mergulho no mar, dava uma caminhada e voltava para a
leitura.
Na minha mochila, sempre houve lugar para os livros:
uma bolsa externa, na qual os livros ficavam bem acomodados e não tinham as
páginas amassadas. Ali cabiam os poemas de Drummond e Quintana, o jornalismo
contracultural de Luís Carlos Maciel, os textos políticos de Trotsky e até
Monteiro Lobato. Não me recordo de nenhum título de Hermann Hesse me
acompanhando nessas viagens, nem de Rubem Fonseca, Caio Abreu ou Dürrenmatt –
leituras obrigatórias daqueles anos 70. Ou melhor, leituras que faziam parte do
repertório da minha geração.
Naquela manhã que resolvi partir para uma praia
desconhecida, em Santa
Catarina , era o romance Um
lugar ao sol, de Veríssimo, que me acompanhou. A luta de Vasco e Noel por
um lugar na sociedade porto-alegrense da década de 1930. E, no meio da trama,
uma personagem feminina luminosa chamada Fernanda, que nunca perdia a fé &
a esperança.
Abri o romance outro dia e várias lembranças vieram à
tona: uma viagem repentina, uma praia desconhecida e a sombra de um galpão de
pescadores... É este livro que me entreteve nos últimos dias – um romance sem
unidade, segundo o próprio autor, mas com personagens bem configurados. E, no meu
caso, mais do que uma leitura agradável, um bilhete de viagem para um verão da
década de 70.
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