Foi
na Feira do Livro de Santa Maria, anos atrás. Conheci um senhor numa fila de sessão de autógrafos e ficamos conversando. Ele contou que morava na região
onde hoje se encontra a Base Aérea, no Bairro Camobi. Era guri de enxada na mão
enquanto acontecia a guerra na Europa e os norte-americanos chegavam a Santa Maria e instalavam uma pista para os aviões que iam espionar o Rio da Prata e
adjacências. “Para acompanhar o que os argentinos faziam porque a Argentina, não
sei se o senhor sabe, não declarou guerra ao nazismo como fez o doutor
Getúlio.”
Ele
contou que era menino de dezesseis anos e parava tudo para ouvir os aviões
decolarem, saia correndo para vê-los levantar vôo e ficava horas esperando eles
voltarem. Não entendia nada de guerra. Peleia para ele se dava em terra firme,
com os pés cravados no chão ou então em cima de um cavalo. Um tio era brigadiano
em Santa Maria
e participara ao cerco da fazenda de Borges de Medeiros, em 1932. Brigadiano de
botina nos pés e fuzil nas duas mãos. “Só fui conhecer piloto de avião, de
perto, muitos anos depois”, ele disse, “aqueles americanos eu não via direito.
Ficava escondido no mato e observava tudo de longe.”
O
nome do homem que me fez este relado eu não lembro. Disse que tinha 80 anos e
aprendera a ler no quartel. Que graças ao quartel aprendera ofício de telegrafista
e deixara a roça. Que considerava isto o maior feito da sua vida: sair da roça
e se tornar telegrafista da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Mas que às
vezes tinha vontade de ter sido piloto de avião e voado sobre o Rio da Prata.
Depois de velho, sabia tudo sobre aviões e sobre a geografia do Rio Grande do Sul, do Uruguai
e da Argentina – “que é a parte mais bonita do mundo”, afirmava.
E
ficamos ali, entre os livros da praça, o homem me contando sobre os aviões que
os americanos usavam durante a Segunda Guerra Mundial, como se desenvolveu a Força
Aérea Brasileira, e eu me sentindo um guri de colégio. Um guri com os cadernos
e os livros de baixo do braço, que pára tudo para ouvir os mais velhos contarem
todas as coisas que sabem, a guerra, as barbaridades do mundo, “e essas coisas que
nem dá pra imaginar aqui no meio da praça, com tanta gente jovem e bonita.”
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