Na década de 80, costumava
freqüentar a biblioteca do Instituto Goethe, em Porto Alegre. Certa
vez tirei uma biografia de Kafka, li menos da metade e a esqueci na estante de
casa. Um mês depois, recebi correspondência do Instituto avisando que o livro
estava atrasado. Prontamente, fui até a bibliotecária, entreguei o livro e
procurei saldar a minha dívida. A funcionária, no entanto, respondeu que não
havia multa pelo atraso. Bastava que o livro fosse entregue em boas condições.
Fiquei admirado.
Não conheci
outra biblioteca igual. Aquilo me pareceu o máximo de civilidade entre
biblioteca e usuário: os atrasos plenamente compreendidos e nem sombra de
punição. Cada leitor tem seu ritmo, cada livro impõe seu tempo e nem sempre o
prazo das bibliotecas se adequam a esse compasso.
O
episódio me faz pensar na temporada de Lênin na Suíça. Lênin escrevia aos bibliotecários
e solicitava os livros que precisava. Os bibliotecários o atendiam, enviavam os
títulos pelo correio e tudo se dava de maneira simples e cordial. Esse mundo
europeu, civilizado, existia enfim no Brasil, conclui.
Nos
anos 90, quando fui responsável por um gabinete de leitura no Curso de História
da UFSM, sonhei com um sistema de empréstimo dessa natureza. Um sistema de
total confiança entre a biblioteca e os usuários. O curso tinha um excelente
acervo de historiografia e era fundamental incentivar e facilitar a consulta, a
leitura e o apetite intelectual dos alunos. Com o passar do tempo, porém,
alguns estudantes entenderam que poderiam se adonar dos livros... e nosso
acervo foi minguando. Uma lástima!
Essa
experiência foi um divisor de águas para mim. Não sei bem se me ensinou a
respeito das pequenas maldades da alma humana ou quanto à nossa escassa
educação. Seja como for, passei a entender que empréstimos de livros só
funcionam se houver prazos e multas, alguma espécie de punição para o usuário
relapso ou mal intencionado. Foi uma aprendizagem e tanto esse meu curto
período no gabinete de leitura.
Será
que o Instituto Goethe, de Porto Alegre, ainda continua não cobrando multas
pelo atraso? Continuará a ser a ilha de civilidade que era nos anos 80?
Não
sei. No mundo que conheço, as coisas só funcionam se houver punição. Caso
contrário, a biografa do Kafka ou as obras de Lênin... ficariam dormindo nas estante
de leitores esquecidos, relapsos ou mal intencionados mesmo.
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