No espaço católico dos
anos 60, era comum a pregação anticomunista. Criança, me habituei a ouvir falar
mal do comunismo. Comentários a respeito do perigo vermelho, do ateísmo e da
terrível situação vivida pelas mulheres, a família e a Igreja no sistema
soviético. Recordo uma tia mostrando uma foto de robustas mulheres russas trabalhando
com britadeiras, e ela dizendo que era uma barbaridade o que a União Soviética
fazia com as mulheres, como brutalizava as mulheres ou coisa assim.
Mais tarde, no início
dos anos 70, freqüentei um ambiente católico influenciado pelas idéias da
Conferência de Medellín (o berço da Teologia da Libertação) e a pregação
anticomunista arrefeceu. O socialismo soviético ou cubano não era
propagandeado, mas compreendido como uma alternativa às injustiças criadas pelo
capitalismo. E os comunistas, por outro lado, entendidos como aliados na luta a
favor da justiça social.
Escrevo as linhas acima
depois de ler artigo da historiadora Marta Borin, que investigou a respeito da
devoção a Nossa Senhora Medianeira. Segundo a pesquisadora, uma das variáveis
que dinamizaram essa devoção fui justamente o anticomunismo. A devoção teve seu
centro na cidade de Santa Maria, ganhou as ruas em 1930 – segundo os devotos, a
santa salvou a cidade de bombardeios, quando foi desencadeada a revolução
liderada por Vargas – e nos anos seguintes se propagou pelo Rio Grande do Sul e
também pelo país. Padre Valle, o principal divulgador da devoção, vinculou o
culto a Medianeira aos nascentes Círculos Operários e a pesquisadora entende
que este foi um dos fatores que favoreceu o fortalecimento da devoção.
Em 1937, os Círculos
adquiriram projeção nacional – com a criação do Movimento Nacional dos Círculos
Operários Católicos, no Rio de Janeiro – e, ao mesmo tempo, N. Sra. Medianeira foi
entronizada “Rainha e Advogada” dos trabalhadores brasileiros. Do ponto de
vista simbólico, Medianeira se tornou uma “poderosa Senhora, colo materno e
consolo nos momentos de dor, aflição e perigo”. Vinculada ao projeto de difusão
da Doutrina Social Católica, que buscava soluções para as aflições da classe
trabalhadora e, ao mesmo tempo, combatia o “socialismo revolucionário”, N. Sra.
Medianeira ganhou o coração dos operários. Nas festas em honra a santa, em Santa Maria , operários
de Porto Alegre e Pelotas vinham de trem participar.
Em 1942, Medianeira foi
oficialmente entronizada padroeira do Rio Grande do Sul, e, em 1951, a direção nacional
dos Círculos Operários entregou ao Papa Pio XII sete volumes de assinaturas
(117 mil assinaturas) “pela definição do dogma de Medianeira de Todas as
Graças”. A “Poderosa Senhora” intervinha a favor dos operários, apaziguava suas
aflições, e servia de defesa contra a ameaça comunista.
A ação dos Círculos
Operários arrefeceu nas décadas seguintes – a partir dos anos 50, houve
mudanças na política católica, a Ação Católica, p.ex., passou por
transformações –, mas nem por isso a devoção a Medianeira arrefeceu. Em Santa Maria , por sinal,
continuou crescendo. Segundo a pesquisadora, Igreja e Estado fizeram esforços
conjuntos para que a santa se legitimasse aos olhos e corações dos brasileiros
e não apenas dos operários.
Em relação ao comunismo,
Nossa Senhora sempre esteve alerta. Foi isso que escutei quando criança. Foi isso
que lembrei ao ler o artigo da professora Marta Borin. Com inteligência e
planejamento, o clero católico trabalhou para que os seus fiéis assim pensassem
e se sentissem protegidos das mazelas do perigo vermelho.
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