quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Perigo vermelho

No espaço católico dos anos 60, era comum a pregação anticomunista. Criança, me habituei a ouvir falar mal do comunismo. Comentários a respeito do perigo vermelho, do ateísmo e da terrível situação vivida pelas mulheres, a família e a Igreja no sistema soviético. Recordo uma tia mostrando uma foto de robustas mulheres russas trabalhando com britadeiras, e ela dizendo que era uma barbaridade o que a União Soviética fazia com as mulheres, como brutalizava as mulheres ou coisa assim.
Mais tarde, no início dos anos 70, freqüentei um ambiente católico influenciado pelas idéias da Conferência de Medellín (o berço da Teologia da Libertação) e a pregação anticomunista arrefeceu. O socialismo soviético ou cubano não era propagandeado, mas compreendido como uma alternativa às injustiças criadas pelo capitalismo. E os comunistas, por outro lado, entendidos como aliados na luta a favor da justiça social.
Escrevo as linhas acima depois de ler artigo da historiadora Marta Borin, que investigou a respeito da devoção a Nossa Senhora Medianeira. Segundo a pesquisadora, uma das variáveis que dinamizaram essa devoção fui justamente o anticomunismo. A devoção teve seu centro na cidade de Santa Maria, ganhou as ruas em 1930 – segundo os devotos, a santa salvou a cidade de bombardeios, quando foi desencadeada a revolução liderada por Vargas – e nos anos seguintes se propagou pelo Rio Grande do Sul e também pelo país. Padre Valle, o principal divulgador da devoção, vinculou o culto a Medianeira aos nascentes Círculos Operários e a pesquisadora entende que este foi um dos fatores que favoreceu o fortalecimento da devoção.
Em 1937, os Círculos adquiriram projeção nacional – com a criação do Movimento Nacional dos Círculos Operários Católicos, no Rio de Janeiro – e, ao mesmo tempo, N. Sra. Medianeira foi entronizada “Rainha e Advogada” dos trabalhadores brasileiros. Do ponto de vista simbólico, Medianeira se tornou uma “poderosa Senhora, colo materno e consolo nos momentos de dor, aflição e perigo”. Vinculada ao projeto de difusão da Doutrina Social Católica, que buscava soluções para as aflições da classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, combatia o “socialismo revolucionário”, N. Sra. Medianeira ganhou o coração dos operários. Nas festas em honra a santa, em Santa Maria, operários de Porto Alegre e Pelotas vinham de trem participar.
Em 1942, Medianeira foi oficialmente entronizada padroeira do Rio Grande do Sul, e, em 1951, a direção nacional dos Círculos Operários entregou ao Papa Pio XII sete volumes de assinaturas (117 mil assinaturas) “pela definição do dogma de Medianeira de Todas as Graças”. A “Poderosa Senhora” intervinha a favor dos operários, apaziguava suas aflições, e servia de defesa contra a ameaça comunista.
A ação dos Círculos Operários arrefeceu nas décadas seguintes – a partir dos anos 50, houve mudanças na política católica, a Ação Católica, p.ex., passou por transformações –, mas nem por isso a devoção a Medianeira arrefeceu. Em Santa Maria, por sinal, continuou crescendo. Segundo a pesquisadora, Igreja e Estado fizeram esforços conjuntos para que a santa se legitimasse aos olhos e corações dos brasileiros e não apenas dos operários.

Em relação ao comunismo, Nossa Senhora sempre esteve alerta. Foi isso que escutei quando criança. Foi isso que lembrei ao ler o artigo da professora Marta Borin. Com inteligência e planejamento, o clero católico trabalhou para que os seus fiéis assim pensassem e se sentissem protegidos das mazelas do perigo vermelho.

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