Há cenas do cotidiano que nos
conectam com o mundo, que nos remetem para além da cena prosaica do dia a dia.
No meu caso, poderia dizer que o café da manhã às vezes tem esse sentido.
Há dias em que despejar o leite na leiteira e
esperar ele esquentar me remete à vivências mais profundas, como o meu tempo de
criança ou a época em que eu cuidava dos filhos pequenos...
Na
minha infância, o leiteiro deixava a garrafa de leite no portão de casa e
depois a mãe ou a empregada o colocava a ferver. Tinha que deixar subir no
mínimo três vezes para eliminar de vez os germes e bactérias.
Minha
memória pode estar enganada, mas acho que era assim: deixar ferver três vezes.
Quando meus filhos passaram a tomar leite de vaca, eu tomava esses cuidados.
Ferver e depois esfriar o leite. Às vezes, tudo feito com rapidez, pois o leite
(a mamadeira) precisava ser servido logo.
Não
havia mais o leiteiro e sua carroça passando pela rua. O leite era adquirido no
supermercado e não mais em garrafa de vidro, mas embalado em saquinho plástico.
Hoje,
compro caixas de Elegê desnatado e não me preocupo mais em ferver o leite.
Apenas esquento. O processo de preparo do leite ganhou um estatuto industrial e
germens e bactérias já vêm eliminados – junto com conservantes, claro.
No
entanto, notícias de adulteração do leite passaram a ser freqüentes na imprensa
e disso me lembrei, hoje, ao preparar o café da manhã...
Em Teutônia, no
Vale Taquari, a empresa BRF (que produz o Elegê), recebeu 33 mil litros de
leite cru adulterado com álcool etílico (o mesmo dos combustíveis e daquele utilizado na limpeza
doméstica). O leite não chegou a ser industrializado, não chegou aos
consumidores, mas os produtores de leite tentaram.[1]
Na
manhã de hoje, diante da leiteira em cima do fogão, alguma coisa nublou a minha
cena doméstica e, especialmente, a minha conexão com o passado. Pensei no que
eu faria, se tomasse conhecimento de episódios como esse quando esquentasse o
leite para os filhos pequenos...
Pensei
tudo isso, me servindo de leite, misturando o Nescafé e bebendo
silenciosamente.
Ao fundo, cheguei a ouvir a voz do meu filho quando era pequeno, encostado na porta da cozinha, perguntar:
– E
essa mamadeira, que horas vai sair?
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