O MTG tem se revelado bastante dinâmico. Neste ano,
propôs para as suas agremiações o desenvolvimento de atividades culturais que
envolvessem uma reflexão a respeito da origem do gaúcho a partir da perspectiva
da mitologia regional. Tempos atrás, eu via os intelectuais do MTG se contrapondo
a qualquer ideia que maculasse a “verdade histórica do gaúcho”. Falar em “mito
do gaúcho”, por exemplo, era uma ofensa.
Na perspectiva de um tradicionalista, não havia mito,
havia verdade histórica. O gaúcho era entendido como um nômade selvagem que, ao
final do século XIX, se transformou num tipo civilizado, um verdadeiro
cavalheiro.
Uma das elaborações pioneiras dessa compreensão
encontra-se em “Ensaio sobre costumes do Rio Grande do Sul” (1883), de João
Cezimbra Jacques (reeditado pela Editora UFSM, em 2000).
Até recentemente, me parece que a discussão a respeito
da figura do gaúcho se dava em torno da “verdade histórica a respeito da
formação de nossa sociedade” e da inserção social dos “cavaleiros nômades” na
sociedade estabelecida. Um debate que passava ao largo do entendimento de que
as sociedades elaboram mitos, constroem narrativas míticas e embaralham os
dados que a historiografia (com pretensões de ciência) estabelece.
Hoje, alguns quadros do MTG estão afinados com as atuais
tendências historiográficas e tratam o assunto de forma diferente. Referem-se tranquilamente
à “invenção das tradições”, ao projeto político-ideológico da elite regional
sul-rio-grandense (que estabeleceu as bases do movimento tradicionalista) e entendem que o gaúcho foi uma construção cultural.
Como tipo social, o gaúcho foi exterminado pelas guerras e pelo cercamento dos
campos. Ao mesmo tempo, foi recuperado e ressignificado por literatos e também por
ideólogos da classe dominante.
De certa forma, esses novos quadros do MTG
(provavelmente ainda em pequeno número) renovam a “ideologia do gauchismo” e a
desvinculam de concepções conservadoras. Rompem com o entendimento do gauchismo
como suporte de um projeto conservador de sociedade e o consideram,
principalmente, como elemento da identidade sul-rio-grandense. Uma identidade
que não cessa de conquistar adeptos.
Da minha parte, penso que tenho colaborado com esses
quadros que buscam a renovação do gauchismo. Afinal, mais uma vez, fui
palestrar num piquete acantonado no Acampamento Farroupilha, em Porto Alegre.
Preparei uma palestra a respeito das narrativas literárias e me
dispus a colaborar quanto à reflexão em torno da figura do gaúcho, a partir da
mitologia regional.
Nesse sentido, centrei fogo nas narrativas
literárias que se alicerçam no mito, como foi o caso da obra de João Simões
Lopes Neto.
Lopes Neto, afinal, ao criar Blau Nunes – um “genuíno
tipo [...] rio-grandense”, “guasca sadio, a um tempo leal e ingênuo, impulsivo
na alegria e na temeridade, precavido, perspicaz, sóbrio e infatigável” –
configurou um dos mais emblemáticos gaúchos da nossa mitologia. Seus principais
livros – Contos gauchescos e Lendas do
Sul – foram publicados na década de 1910 e podem ser lidos com gosto até os
dias de hoje.
Ao final do conto “A Salamanca do Jarau”, entendo que
Lopes Neto estabeleceu o ideal de gaúcho da nossa mitologia: o homem rude,
frugal e honesto. Blau Nunes se desfez de toda a riqueza que lhe concedera o
sacristão enfeitiçado pela Princesa Moura para bem poder comer o seu churrasco,
beber o seu chimarrão e fazer a sua sesta em paz, com “o coração aliviado e
retinindo como se dentro dele cantasse o passarinho verde”.
O leitor talvez ache que encaro de forma muito branda um assunto tão complexo a respeito da cultura sul-rio-grandense. Pode ser. Mas tem sido esse
o meu jeito de dialogar com os regionalistas. Dialogar, colaborar e ao final
comer um costelão delicioso ou – como ocorreu nesse ano – uma fabulosa paella
gaúcha.
Comer, charlar, confraternizar, com o coração
sintonizado num mito fundado encarnado por Blau Nunes – o pachorrento Aquile que nos coube no grande banquete cultural da humanidade.
Oi Vitor. Estou reativando meu blog.
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