As canções da chilena Violeta Parra fazem parte do
repertório de muitos de nós, especialmente daqueles que viveram o movimento
estudantil dos anos 70. Era comum nos diretórios acadêmicos se ouvir as canções
de Violeta Parra, assim como as de Mercedes Sosa, Chico Buarque e Gonzaguinha.
“Me gustan los estudiantes” (“aves que no se assustan / de animal ni policia”)
mais “Gracias a la vida” (“que me ha dando tanto... / me ha dado la risa y me
ha dado el llanto”) me parecem representativas das composições de Violeta, uma
artista enraizada no folclore chileno, vinculada às lutas populares latino-americanas
e também ao Partido Comunista.
Com essas lembranças, fui assistir ao filme Violeta foi para o céu (Violeta se fue a
los Cielos), de Andrés Wood (Chile, 2011, 110 min.), que está em cartaz na
cidade. O filme é do mesmo diretor do excelente Machuca, baseia-se em livro escrito por um filho da cantora (Ángel
Parra) e surpreende quanto ao modo como aborda a vida da cantora, compositora e
artista plástica.
Uma narrativa que não romantiza a artista. Não trata a
sua trajetória de forma linear e opta por uma estrutura fragmentada de
representação de sua infância, amores e obstinações, tudo isso articulado por
suas canções. Um filme comovente, duro, nada confortável e muito bonito. Uma espécie
de mosaico poético da vida da cantora, com metáforas rudes e significativas: a
cantora menina, suja e pobre, se lambuzando ao comer amoras; a frágil galinha
solta no pátio, ameaçada por um gavião. Metáforas que são decodificados pelo
próprio filme: a determinação e obstinação da cantora, que não perde sua matriz
de índia pobre; a frágil galinha (a mulher, o povo sofrido) diante do gavião
poderoso (as estruturas de poder e o capitalismo).
Ao contrário do que eu imaginava (como ouvinte de suas
delicadas composições), Violeta não era uma mulher frágil nem delicada. No
filme, é interpretada brilhantemente por Francisca Gavilón, uma artista de traços
semelhantes à de Violeta e que acentua a postura simples, dura e sofrida da
cantora. Talvez uma postura típica de índia - e, por isso mesmo, vista com desconfiança pela elite chilena.
Particularmente, me impactaram as cenas nas quais
Violeta sai em busca de artistas populares nas montanhas, tanto para registrar
suas canções quanto para aprender a cantar. Violeta não se propôs a desenvolver
uma “voz acadêmica”, mas a mergulhar seu canto e sua arte nas raízes populares.
Como estudante dos anos 70, foi esse traço da cantora que primeiro aprendi a admirar:
sua vinculação com a arte popular. Mas não a sabia tão determinada e obstinada
como o filme indica. Numa obstinação, por sinal, que a terminou sufocando-a e
levando-a ao suicídio.
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