segunda-feira, 1 de outubro de 2012


Arnaldo Campos

Era 1986 e o cometa Halley voltava a passar próximo ao planeta Terra. Esperava-se um grande espetáculo, mas isso não aconteceu. Milhares de pessoas ficaram na rua, no pátio ou na janela olhando para o céu e a frustração foi geral. A muito custo se identificava o cometa.
Matilde e seu filho André, moradores da Vila Orfeu, em Porto Alegre, também procuraram o cometa e se decepcionaram. Personagens fictícios da novela de Arnaldo Campos, A ceia do Diabo (Editora Mercado Aberto, 1994, 146 p.), eles viviam modestamente e saiam de casa todas as manhãs para trabalhar no centro da cidade. Ela, num escritório de representação comercial no 11º andar da Galeria do Rosário; ele, numa livraria.
Matilde era bisneta de imigrantes italianos e viera da região de Santa Rosa para a Capital. Casara com o pedreiro Silviano e estava viúva há um ano. Tinha 40 anos de idade e um único filho, de 14 anos. O menino passara a dormir na cama da mãe, após a morte do pai, e a abraçava durante a noite. O cuidado e a atenção do filho agradaram a viúva, mas, passado um ano, começaram a incomodar. A mulher se interessou por um vizinho e a atitude possessiva do filho era mais um problema a resolver. Matilde era uma mulher recatada, mãe dedicada, e tinha nas prédicas moralistas do pároco local uma das suas principais interlocuções. O peso da moral sexual católica a impedia de um novo relacionamento, mas felizmente ela tinha uma amiga de postura liberal e uma vizinha curandeira que indicavam a existência de outras possibilidades na vida, além daquelas apontadas pela Igreja.
Novela consistente, esta de Arnaldo Campos – um escritor preocupado com os dramas vividos pelos indivíduos das classes populares. De modo lírico, como bem indicam os editores na contracapa, o escritor enfocou com delicadeza os dramas da viúva Matilde. O desejo sexual que ela sente é percebido como algo diabólico – por isto o título da novela, A ceia do Diabo, referindo-se à intromissão de Satanás (da tentação do pecado) na sua vida familiar –, mas este entendimento tradicional da sexualidade é ultrapassado pela personagem.
Arnaldo Campos era um escritor e livreiro muito presente na cena cultural porto-alegrense. Tinha milhares de amigos entre seus leitores e fregueses de livraria, entre os quais me incluo. Li a sua novela no último domingo - como uma homenagem pela sua morte recente - e percebi que a narrativa transborda humanidade pelo drama de Matilde.
Ao final da novela, a viúva constata que “tão difícil quanto achar o [cometa] Halley seria voltar a viver em paz com o filho”. Matilde passara a namorar o vizinho, coisa que o filho não aceitava. Independente da postura filial, porém, Matilde segue em frente. A perspectiva da narrativa é totalmente favorável à mulher, numa perspectiva afável, impregnada de humanidade, bem como o era o feitio de Arnaldo Campos.

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