segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Anos 70

O ano era 1976 e estávamos numa aula do Curso de História, na UFRGS. Estudávamos a Revolução Industrial na Inglaterra, a formação da classe operária e os movimentos de resistência dos trabalhadores. De repente, a conversa vai parar num movimento de guerrilha que acontecia ou acontecera (ninguém sabia ao certo) no centro do país. Ficamos divagando a respeito e tentando localizar o conflito armado: em Goiás ou Mato Grosso?
– Talvez no Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia – aventou o professor, que lera a respeito de movimentação militar na região central do país.
– Talvez seja um foco guerrilheiro consistente – alguém arriscava.
– Mas quem, nessa altura do campeonato, seria capaz de enfrentar a ditadura militar? – ponderava outro.
– Ora, ora – brincava um terceiro –, vai ver que a aliança operário-estudantil deu certo em algum lugar.
Conjecturas de um pequeno grupo de estudantes, na sala de aula, com um professor camarada. Pouco sabíamos a respeito dos embates militares do Estado brasileiro com a esquerda armada. Éramos universitários, líamos jornais, revistas, livros, íamos ao cinema, ao teatro – e a impressão era de que a realidade nos escapava feito areia entre os dedos. Havia censura nos meios de comunicação e volta e meia encontrávamos nos jornais – no jornal Movimento, p.ex. – páginas sem texto, com a indicação de que a censura passara por ali.
Só no início dos 80, li o livro-reportagem de Fernando Portela, Guerras de guerrilhas no Brasil (Global, 1979), e descobri que o tal movimento guerrilheiro comentado em sala de aula ocorrera, sim, mas no sul do Pará. Fora promovido pelo PCdoB, aniquilado em 75, e nós, reles estudantes, não sabíamos de coisa alguma.
Tempos difíceis aqueles! Para a juventude de classe média, universitária, talvez não fosse dos piores. Visto de longe, no entanto, me parece terrível aquele diálogo que travávamos em sala de aula. Emblemático de um quadro de desinformação que vivíamos naqueles anos. Uma situação comum para a maioria dos brasileiros, que se tornava dramática para os estudantes da área das Ciências Sociais. Dramática, terrível, insuportável!
Detalhe curioso: o texto que líamos a respeito da Revolução Industrial fora escrito por Eric Hobsbawm e fazia parte de uma coletânea de artigos. A primeira edição brasileira de A era das revoluções (Paz e Terra, 1977) só sairia no ano seguinte.  

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