O ano era 1976 e estávamos numa aula do Curso de
História, na UFRGS. Estudávamos a Revolução Industrial na Inglaterra, a formação
da classe operária e os movimentos de resistência dos trabalhadores. De
repente, a conversa vai parar num movimento de guerrilha que acontecia ou
acontecera (ninguém sabia ao certo) no centro do país. Ficamos divagando a
respeito e tentando localizar o conflito armado: em Goiás ou Mato Grosso?
– Talvez no Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia –
aventou o professor, que lera a respeito de movimentação militar na região
central do país.
– Talvez seja um foco guerrilheiro consistente –
alguém arriscava.
– Mas quem, nessa altura do campeonato, seria capaz de
enfrentar a ditadura militar? – ponderava outro.
– Ora, ora – brincava um terceiro –, vai ver que a
aliança operário-estudantil deu certo em algum lugar.
Conjecturas de um pequeno grupo de estudantes, na sala
de aula, com um professor camarada. Pouco sabíamos a respeito dos embates
militares do Estado brasileiro com a esquerda armada. Éramos universitários, líamos
jornais, revistas, livros, íamos ao cinema, ao teatro – e a impressão era de
que a realidade nos escapava feito areia entre os dedos. Havia censura nos
meios de comunicação e volta e meia encontrávamos nos jornais – no jornal Movimento, p.ex. – páginas sem texto,
com a indicação de que a censura passara por ali.
Só no início dos 80, li o livro-reportagem de Fernando
Portela, Guerras de guerrilhas no Brasil (Global,
1979), e descobri que o tal movimento guerrilheiro comentado em sala de aula ocorrera,
sim, mas no sul do Pará. Fora promovido pelo PCdoB, aniquilado em 75, e nós,
reles estudantes, não sabíamos de coisa alguma.
Tempos difíceis aqueles! Para a juventude de classe
média, universitária, talvez não fosse dos piores. Visto de longe, no entanto, me
parece terrível aquele diálogo que travávamos em sala de aula. Emblemático de
um quadro de desinformação que vivíamos naqueles anos. Uma situação comum para
a maioria dos brasileiros, que se tornava dramática para os estudantes da
área das Ciências Sociais. Dramática, terrível, insuportável!
Detalhe curioso: o texto que líamos a respeito da Revolução
Industrial fora escrito por Eric Hobsbawm e fazia parte de uma coletânea de
artigos. A primeira edição brasileira de A
era das revoluções (Paz e Terra, 1977) só sairia no ano seguinte.
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