O reles cronista desse blog é uma bicha enrustida que
não tem coragem de sair do armário? Não, nada disso. Para a infelicidade de
alguns leitores, não é o caso. Se fosse, imagino que eu teria coragem de sair batendo
as portas ou coisa parecida.
A LOUCA QUE PASSA é uma homenagem aos loucos em geral,
com os quais cruzamos nas ruas e nos assustam e encantam ao mesmo tempo. Os
loucos que bebem poesia e assumem um olhar de desvario e desgraça, que às vezes
nos atravessa e imobiliza feito um raio.
Quem sacou esses doidos e tematizou o seu fascínio
sobre nós foi o poeta Luiz Guilherme do Prado Veppo, em diversos dos seus
poemas. A loucura, de certa maneira, o encantava. No singelo poema “A que bebeu
poesia”, publicado em Espada de flor (1975),
isto fica bem claro. Ali se encontra o verso “a louca que passa”, referindo-se
àquela mulher que “Deixou na vidraça / Um olhar que no fundo / Tem muita
desgraça”. E logo depois o poeta pergunta: “Será minha mãe?”, minha noiva,
minha filha? Para concluir que é, provavelmente, a mulher que se embebedou de
poesia.
Prado Veppo tinha uma ternura profunda pelos loucos,
os desvairados, os transviados da norma estabelecida. Seu olhar percebia o
desvario de muitos de nós e procurava nos salvar da dor incomensurável da
loucura. Mas sabia, na sua sabedoria, que a loucura é parceira da poesia. Que a
loucura desvenda mundos obscuros e é capaz de enfeitiçar o mundo de poesia. Que
é preciso, então, saber lidar com a doidice. Beber da sua seiva vital e não
ficar eternamente preso aos seus braços.
Prado Veppo, é bom salientar, além de poeta, era psiquiatra.
Penso que foi com ele que aprendi que pouco nos distinguimos dos doidos – ou,
pelo menos, que me encontro a pouca distância do desvario, uma linha tênue me
separa da doidice. Uma linha que é tudo, uma linha que faz toda a diferença na
minha vida.
Ao intitular este blog com um verso do Veppo,
pretensiosamente eu quis indicar três intenções: uma, a de exercitar uma olhar
compreensivo a respeito da loucura; dois, o meu compromisso com a poesia; três,
a minha dívida com Luiz Guilherme do Prado Veppo.
A que
bebeu poesia
A louca
que passa
Deixou
na vidraça
Um
olhar que no fundo
Tem
muita desgraça.
Será
minha mãe
A
pobre da louca
Que
nada mais tendo
Conserva
a ternura?
Será
minha noiva
Que
louca ficou
Depois
que parti
No
barco da guerra?
Será
minha filha
A
louca do bairro
Que
a vida judiou
Depois
que morri?
Ou
foi a poesia
Que
a louca bebeu
Que
lhe deu esse ar
De
ser doutro mundo?
O leitor encontra esse poema no livro Prado Veppo: obra completa, que Pedro
Brum Santos e eu organizamos (Editora UFSM, 2002, 400 p.).
Lindo poema, como tudo que Prado Veppo escrevia, tive a felicidade de partilhar minha infância com ele.
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