segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Quem é a louca que passa?



O reles cronista desse blog é uma bicha enrustida que não tem coragem de sair do armário? Não, nada disso. Para a infelicidade de alguns leitores, não é o caso. Se fosse, imagino que eu teria coragem de sair batendo as portas ou coisa parecida.
A LOUCA QUE PASSA é uma homenagem aos loucos em geral, com os quais cruzamos nas ruas e nos assustam e encantam ao mesmo tempo. Os loucos que bebem poesia e assumem um olhar de desvario e desgraça, que às vezes nos atravessa e imobiliza feito um raio.
Quem sacou esses doidos e tematizou o seu fascínio sobre nós foi o poeta Luiz Guilherme do Prado Veppo, em diversos dos seus poemas. A loucura, de certa maneira, o encantava. No singelo poema “A que bebeu poesia”, publicado em Espada de flor (1975), isto fica bem claro. Ali se encontra o verso “a louca que passa”, referindo-se àquela mulher que “Deixou na vidraça / Um olhar que no fundo / Tem muita desgraça”. E logo depois o poeta pergunta: “Será minha mãe?”, minha noiva, minha filha? Para concluir que é, provavelmente, a mulher que se embebedou de poesia.
Prado Veppo tinha uma ternura profunda pelos loucos, os desvairados, os transviados da norma estabelecida. Seu olhar percebia o desvario de muitos de nós e procurava nos salvar da dor incomensurável da loucura. Mas sabia, na sua sabedoria, que a loucura é parceira da poesia. Que a loucura desvenda mundos obscuros e é capaz de enfeitiçar o mundo de poesia. Que é preciso, então, saber lidar com a doidice. Beber da sua seiva vital e não ficar eternamente preso aos seus braços.
Prado Veppo, é bom salientar, além de poeta, era psiquiatra. Penso que foi com ele que aprendi que pouco nos distinguimos dos doidos – ou, pelo menos, que me encontro a pouca distância do desvario, uma linha tênue me separa da doidice. Uma linha que é tudo, uma linha que faz toda a diferença na minha vida.
Ao intitular este blog com um verso do Veppo, pretensiosamente eu quis indicar três intenções: uma, a de exercitar uma olhar compreensivo a respeito da loucura; dois, o meu compromisso com a poesia; três, a minha dívida com Luiz Guilherme do Prado Veppo.

A que bebeu poesia

A louca que passa
Deixou na vidraça
Um olhar que no fundo
Tem muita desgraça.

Será minha mãe
A pobre da louca
Que nada mais tendo
Conserva a ternura?

Será minha noiva
Que louca ficou
Depois que parti
No barco da guerra?

Será minha filha
A louca do bairro
Que a vida judiou
Depois que morri?
                  
Ou foi a poesia
Que a louca bebeu
Que lhe deu esse ar
De ser doutro mundo?

O leitor encontra esse poema no livro Prado Veppo: obra completa, que Pedro Brum Santos e eu organizamos (Editora UFSM, 2002, 400 p.).

Um comentário:

  1. Lindo poema, como tudo que Prado Veppo escrevia, tive a felicidade de partilhar minha infância com ele.

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