Estive
em São Paulo com minha companheira e fizemos um pouco de tudo. Sete dias de
passeios intensos e variados. Batemos pernas pelo centro da cidade, pela
Avenida Paulista e achamos tudo muito bonito. Só nos demos mal quando saímos do
Mercado Municipal e enveredamos por uma rua muito suja, com moradores de rua
revirando lixo. Assustados (eu cheguei a imaginar o pior), saímos dali o mais
depressa possível.
Afora
este episódio desagradável, andamos somente pelos espaços bacanas da cidade: os
museus, as casas-museus, os institutos culturais, as livrarias, as padarias e
os bons restaurantes. Entre esses lugares bonitos, o Museu do Ipiranga, que
reinaugurou em 2022. Um lugar que eu estava curioso para rever e saber como
foram mantidas/reorganizadas as velhas narrativas criadas por Afonso Taunay, diretor
do museu na época das comemorações do 1º Centenário da Independência.
Narrativas centradas em grandes personalidades (como Raposo Tavares, Fernão
Dias e D. Pedro I) que, com o tempo, foram consideradas “eurocêntricas,
androcêntricas, etnocêntricas e elitistas”.
Prédio do Museu do Ipiranga. No primeiro andar, o salão nobre, onde se encontra o quadro de Pedro Américo. |
Uma
tarefa e tanto manter as pinturas e esculturas que embasam uma visão de
história (hoje contestada) e, ao mesmo tempo, indicar os contrapontos
e críticas a essa narrativa. Uma empreitada levada a bom termo, me pareceu. O
museu foi construído para consolidar e exaltar uma visão paulista da história
brasileira, iniciada pelos bandeirantes, centrada no famoso grito do Ipiranga, e
não poderia fugir disso.
“Independência
ou Morte!”, o famoso quadro de Pedro Américo está exposto na sala central (o salão nobre) e na
outra extremidade (fora do museu, depois de um extenso jardim e uma alameda igualmente
longa) encontra-se o colossal Monumento à Independência. Este o eixo do museu. D.
Pedro I erigido como personalidade fundamental, o herói que promoveu o
rompimento dos laços com a Metrópole por meio de um gesto solene (o grito do
Ipiranga) e consolidou um Estado Nacional de forma negociada e pacífica. Um
modo de encarar a nossa independência desconsiderando os conflitos militares
ocorridos nas províncias da Cisplatina, Bahia, Piauí, Maranhão e Grão-Pará,
gerados por uma expressiva resistência armada portuguesa. Não foi fácil
derrotar a gente lusitana! Houve guerra, sim, não muito diferente das que
ocorreram no restante da América Latina, nas colônias espanholas.
Mas
a visão que se consagrou foi a de um processo pacífico protagonizado pelas
elites do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, entendimento que o Museu do
Ipiranga consolidou. Uma visão de História que tem a sua matriz no Instituto
Histórico Geográfico, no Rio de Janeiro, durante o Segundo Reinado, mas que não vou
desenvolver aqui (é conversa pra mais de metro), apenas indicar.
Jardim e alameda, caminho entre o museu e o Monumento à Independência. |
Na
visita que fiz ao Museu do Ipiranga, dias atrás, eu queria era cumprir o rito
proposto pela historiografia tradicional. Após contemplar o famoso quadro, propus
a minha companheira caminharmos até o Monumento à Independência e ela topou. Fazia
um calor danado e fomos. Valeu a pena. Nas outras vezes que visitara o museu
não encarara a peregrinação até o monumento e dessa vez completei o ciclo: o
quadro de Pedro Américo, a caminhada pelo jardim e alameda, o monumento.
Quando
cheguei diante do monumento, o fogo estava acesso na pira da pátria e D. Pedro
I e seus soldados estavam lá – em bronze – montados nos seus cavalos e erguendo
as espadas. Um espetáculo e tanto. Professor de História que fui durante 38
anos, me senti realizado.
Painel central do Monumento à Independência. Recriação do grito do Ipiranga imaginado por Pedro Américo. |
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