Quem
passeia por museus ou exposições de arte sabe: tem obras que puxam os olhos da
gente. Pois a visita que fiz ao Museu do Ipiranga, dias atrás, não fugiu a essa
regra. Entrei no Salão Nobre do museu, onde se encontra a grande tela de Pedro
Américo, “Independência ou morte!”, e o que me chamou mais atenção foi um
quadro da Imperatriz Leopoldina, rodeada pelas quatro filhas e com o futuro
imperador D. Pedro II no colo.
Na
frente da famosa tela da “Independência...” o meu olhar vagou pelas figuras
solenes do então Príncipe Regente e sua comitiva, se fixou no tropeiro no canto
à esquerda, que observa espantado para aquele bando de cavalarianos gritando
entusiasmado, e na sequência pousou no quadro da Leopoldina.
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"Retrato de D. Leopoldina de Habsburgo e seus filhos" (1921), de Domenico Failutti. |
Ela
não era uma mulher bonita e o artista que a pintou não dourou a pílula. Se bem
que deu um toque de vivacidade à imperatriz, tornando-a muito
simpática. Um quadro que Afonso Taunay (o diretor do Museu na época do 1º
Centenário da Independência) mandou pintar em 1921 para reconfigurar a sala. Um
quadro colocado na parede à esquerda da famosa tela de Pedro Américo, enquanto
na outra parede, à direita, encontra-se um quadro representando Maria Quitéria.
As duas, uma rainha e uma mulher-soldado, dando o toque feminino ao processo de
emancipação política festejado naquela sala.
Leopoldina
era uma princesa do Império Austríaco (filha do imperador Francisco I) que veio
para o Brasil em 1817 (com 20 anos) casar-se com o príncipe D. Pedro (naquela
altura, o futuro rei de Portugal). A mulher viveu nove anos no Brasil, engravidou
nove vezes, sofreu dois abortos e pariu sete filhos. Cinco sobreviveram. Era
uma princesa educada para ser rainha e sabia muito bem o papel que devia exercer,
isto é, “fazer filhos”.
Li
o livro da historiadora Mary Del Priore, “Leopoldina & Maria da Glória:
duas rainhas: vidas e dores”, e fiquei impactado com a trajetória da
imperatriz.[1] Neste
livro, a autora recria a voz da filha primogênita de Leopoldina, Dona Maria da
Glória (1819-1854, rainha de Portugal a partir de 1834), e faz ela narrar a
vida da mãe. Uma estratégia narrativa que funciona. Tanto permite uma compreensão
da trajetória íntima de Leopoldina (suas aspirações, o casamento, as frustrações)
quanto da sua ação política a favor da independência do Brasil e do
estabelecimento da monarquia.
Segundo
a narrativa ficcional empregada, Leopoldina se colocou na posição de ter
“quantos filhos pudesse” com o marido imperador. Ao casar aspirava “amor, afeto
e compreensão” e o prazer sensual não estava no seu horizonte. Entendia o
casamento como um sacerdócio, um encontro mais de almas do que de corpos, salvo
para procriar, e mesmo frustrada devido a rudeza e indiferença do marido, não
deixou de cumprir o seu dever. Em 1826, aos 29 anos, morreu de tanto engravidar.
Uma trajetória, ao que tudo indica, comum às mulheres de sua época.
Quanto
ao comportamento político, Leopoldina compreendeu bem as relações entre Brasil
e Portugal (a emancipação política da antiga colônia era inevitável), se
colocou a favor da independência e, principalmente, defendeu a adoção do
sistema monárquico. Neste último aspecto, visando garantir a continuidade da
sua família no poder. Pautava-se pelo ideário tradicional (o absolutismo
monárquico, no qual fora criada) e seu envolvimento com o ideário liberal era
apenas de fachada.
No
Salão Nobre do Museu do Ipiranga, foi a Imperatriz Leopoldina que ganhou a
minha atenção, deixando o ilustre marido em segundo plano (apesar de ele ser a
figura central da narrativa visual apresentada como indiquei na crônica anterior). Certamente foi o livro da Mary
Del Priore (que começara a ler dias antes) que ascendeu o meu interesse pela
personagem. No livro, Leopoldina é descrita como uma mulher que sofria
“ingratidões e desgostos” e se resignava ao seu papel de rainha: engravidar e
parir sem pestanejar e fazer política quando isso fosse possível.
[1]
DEL PRIORE, Mary. Leopoldina & Maria da Glória: duas rainhas: vidas
e dores. RJ: José Olympio, 2024. 112 p.
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