Sonhei com a praia do Cassino uma noite dessas. Era
um dia muito frio e eu caminhava sozinho pela avenida que cruza a área urbana, da
antiga estação de trem até a beira do mar. Andava pelo canteiro central e de
repente fui invadido pelo vento de anos e anos passados. Parei, olhei para as
árvores sacudidas pela ventania e tive certeza disso. Dentro de mim, o eco de conversas
antigas a respeito das relações entre mães e filhos e seus intermináveis
desdobramentos.
Avenida Central da praia do Cassino. (Foto de 2016) |
Sim, mais de uma vez andei pela avenida central do
Cassino (tanto no inverno como no verão) e conversei a respeito das relações
entre mães e filhos e sobre a morte das mesmas. Debaixo daquelas árvores, na
década de 1970, eu falei sobre o que vivia com minha mãe com uma prima, a Carmen
Lúcia, e penso que foi a partir daquela época que o assunto se colocou para mim
como fundamental. Eu veraneava na casa dos pais dela (os tios Victor e Maria
Delfina) e recordo de irmos a feira (comprar figo, entre outras coisas) e
tratarmos do assunto. Minha prima, alguns anos mais velha do que eu, dava uma
importância enorme ao tema e com ela aprendi o quanto os pais
(especialmente as mães) são importantes na nossa formação.
Histórias de mães e filhos se tornaram um assunto
constante (mais tarde reviradas e analisadas em consultórios psiquiátricos) e foi
na praia do Cassino que tudo começou. Minha prima Carmen Lúcia morreu, nossas
mães morreram também, e o sonho girou em torno de um inverno no qual eu andava com uma antiga
companheira e ela acabara de perder a mãe. Eu tentava auxiliá-la no seu luto e meus
comentários não agradaram. A relação que ela tivera com a mãe fora sofrida e
abordar o tema era espinhoso. Eu procurava ajudá-la, não fui feliz na tentativa
e ela embrabeceu comigo. A sua dor, no entanto, ardia feito brasa nas minhas
mãos. Eu nunca descuidara do assunto, sempre o tratara com atenção e, muitas
vezes, com exagerada insistência. Anos depois minha mãe faleceu e me vi às
voltas com o mesmo caso: o penoso processo de enterrar a mãe.
Acordei pensando em tudo isso, mas de modo algum
angustiado, apenas lembrando. A praia do Cassino foi um cenário importante na minha vida: o local onde primeiro vi o mar. Lugar que frequentei desde recém-nascido, como
tantas vezes minha mãe contou. Guri entre oito e dez anos, eu “pescava” siri nas
margens da Barra do Rio Grande (nos molhes) e as lembranças desse tempo se
tornaram preciosas. A partir dos anos 2000 passei a frequentar a praia com assiduidade (especialmente nos verões) e as vivências no local se intensificaram. Hoje essas memórias se
reconfiguram sem que eu tenha o menor controle.
A memória das mães se entrelaça com a paisagem do
Cassino e a praia ganha outra coloração, tecida por histórias de mães e filhos,
nem sempre fáceis de desfiar e compreender. No entanto, sempre muito boas de
recordar, pois são as narrativas que me constituem e revivê-las é sempre uma
oportunidade desvendar novas facetas da minha história. Um processo sem fim de
encontro comigo mesmo.
Antiga Estação de Trem da praia do Cassino. (Foto de 2016) |
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